Por Patrícia Gomes

Eu não ando, me arrasto, moça. E a vida inteira foi assim. Quando eu tinha sete anos peguei sarampo. Quem se lembra desse tempo, me conta que foi a doença que me deixou desse jeito. Mas, um médico já me falou que o problema que eu tive foi mesmo paralisia infantil.

Eu sou da roça, sabe moça? Nascida e criada na zona rural de uma cidade do interior da Bahia. Imagina se lá tinha médico, posto de saúde... Vacina? Não tinha, não, moça. Pra te falar a verdade, lá não tinha nada. E a gente também não tinha informação, não sabia das coisas.

Eu tinha sete anos. Lembro de quando eu andava, lembro de andar. Mas, não tenho memória de quando eu parei de caminhar, não sei dizer nem se sofri. Mas, acredito que sim. Quem não sofre com uma coisa dessas?

Eu passei um bom tempo na cama. Depois tive que aprender a me arrastar mesmo. Ando de quatro, com os joelhos no chão. Pra não machucar, uso meias, quando saio de casa coloco joelheiras. Pra não sujar as mãos, carrego um par de chinelos. Chinelos nas mãos, engraçado, não é moça? É só assim que eu consigo sair do lugar.

Em casa, eu me viro. Sento na cadeira pra lavar a louca, também tem um banquinho na frente do tanque. Pra varrer, fico no chão. Pra tomar banho,  sento no piso. Pra escovar os dentes, me apoio no vaso sanitário.

Pra sair na rua é que é uma tristeza. Tenho que me arrastar pelo caminho de terra até a escadaria. São quinze degraus pra chegar lá embaixo, aí eu tenho que descer a ladeira. Isso me cansa muito, mas subir tudo de volta é que é o pior.

A minha maior tristeza é que eu nunca trabalhei. Não posso, não consigo passar um dia inteiro fora de casa, não aguento. Você vê a minha situação, né moça? Não tem condições.

O meu sonho? Queria ganhar uma cadeira de rodas motorizada. Eu tinha uma cadeira comum. Quando meu marido era vivo, ele me carregava pra todo lado. Depois que ele morreu, eu não tive como usar mais a cadeira. A minha filha adolescente não ajuda muito. Agora, se eu ganhar uma motorizada, vou poder ir pra tudo que é canto! Vou poder ir à igreja, ao mercado, ao posto, ao hospital, andar pela rua toda. A minha vida vai mudar.

Tem gente que reclama tanto, que acha que precisa de tanta coisa, que maldiz a vida. Eu só quero parar de me arrastar, será que é pedir muito? Deus sabe...