Desigualdade e política

Jornal O Norte
18/11/2005 às 10:49.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:54

George Fernando Lucílio de Britto *

Em meados do mês de setembro, a Organização das Nações Unidas publicou o Relatório sobre a situação social do mundo em 2005. O documento mostra que, nos últimos dez anos, a desigualdade tem-se elevado no mundo, revelando um progresso promovido pelos ritmos, pelos espasmos e pelos trejeitos do capitalismo globalizado.

Na primeira semana do mês de outubro, novamente a ONU divulgou um relatório intitulado O estado da desigualdade, no qual, com inigualável propriedade, faz um levantamento sem equivalente e sem pre-cedente sobre as condições de desenvolvimento ao redor do mundo, e ainda chama a atenção para a distinção entre a desigualdade e a pobreza.

- Os 20% restantes se dividem entre os 5 bilhões de habitantes que vivem nas regiões menos favorecidas, como o Brasil

Esse relatório indica que o crescimento econômico experimentado nos últimos anos não se traduziu na redução das assimetrias entre as regiões, mostrando que 80% das riquezas do planeta se concentram nas nações mais ricas, ao passo que os 20% restantes se dividem entre os 5 bilhões de habitantes que vivem nas regiões menos favorecidas, como o Brasil.

Nos últimos 25 anos, a desigualdade social cresceu em 48 dos 73 países analisados pela ONU; permaneceu estável em 16 deles; e reduziu em apenas 9 desses países.

O citado relatório da ONU enfoca os desequilíbrios entre o crescimento econômico e o desenvolvimento social, destacando a necessidade de promoção de um desen-volvimento sustentável, alertando para que as políticas econômicas sejam formuladas de par com estratégias de inclusão social, concluindo que o simples aquecimento da economia não basta para a erradicação da pobreza.

Um país tem pobreza quando existe escassez de recursos básicos que garantam qualidade de vida à população ou quando, apesar de haver um volume aceitável de riquezas, tais recursos estão mal distribuídos.

O Brasil não é um país pobre. O Brasil é um país desigual que, de acordo com o Banco Mundial, em termos de desigualdade social somente está melhor hoje do que quatro países encravados no continente africano: a Suazilândia, a República Centro-africana, Botswana e a Namíbia.

Dentre os países em desenvolvimento, o Brasil ocupa o 9º lugar em renda per capta, embora caia para o 25º lugar quando se contabiliza a proporção de pobres. Tamanha desigual-dade coloca o Brasil entre os países de alta renda e, de forma dicotômica, entre aqueles países que detêm um alto índice de pobreza.

Aqui no Brasil, 1% dos mais ricos se apropria do mesmo valor que detêm os 50% mais pobres da população. Há no Brasil, segundo o Ipea - Instituto de pesquisa econômica aplicada, cerca de 57 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza e um contingente de 24,7 milhões sobrevivendo em miséria extrema. Esta é uma parcela significativa da população sem acesso à água e à alimentação; sem acesso aos serviços de saúde e educação; sem acesso às mais insignificantes formas de lazer; sem acesso à moradia, à renda e sem cidadania; uma parcela da população já sem esperan-ças, mas que insiste perse-verantemente na sobrevivência.

No estudo Eqüidade e desenvolvimento publicado recentemente pelo Banco Mundial, são reconhecidos avanços nos últimos doze anos que podem induzir mudanças no quadro da desigualdade social no Brasil, principalmente após a implantação do programa Bolsa-família pelo governo passado e sua ampliação pelo atual governo, mas constata que esses avanços são absolutamente insuficientes para provocar os efeitos desejáveis e ainda tão esperados pela sociedade.

- Todos sabem que a região precisa de programas permanentes de convivência com a seca

No Norte de Minas, a desigualdade e a pobreza se confundem e se misturam com os efeitos perversos e cumulativos deixados, ano após ano, pelos repetidos períodos de estiagem. Todos sabem que a região precisa de programas permanentes de convivência com a seca; obras estruturantes que possam garantir emprego e renda para quem sobrevive no constante tormento do flagelo. Entretanto, autori-dades que decidem e aquelas escolhidas pelo povo para defender seus legítimos diretos e interesses insistem em combater a seca, minimizando a fome e a sede da população, com medidas paliativas e restritas a cestas básicas e caminhões-pipa que já vêm impregnadas de interesses políticos duvidosos e que acabam por abalar ainda mais a dignidade humana do norte mineiro. Quem é do Norte de Minas e que vive no Norte de Minas tem o compromisso moral e a obrigação, em sendo eleito para qualquer que seja o cargo, de zelar pelos anseios do norte mineiro, sem estar fazendo nenhum favor.

Quem vem de fora apenas buscar votos supostamente venais sabe que as dificuldades são infinitamente menores para satisfazer uma população miserável, faminta, sedenta, carente de tudo e que se desespera todos os anos tão logo se vislumbram os efeitos da seca certeira e impiedosa. Esses vêm apenas por ocasião de safra, ou seja, da colheita de votos.

Pelos acontecimentos políticos dos últimos meses, sugerindo haver irre-gularidades no finan-ciamento de campanhas políticas, há de se ter receio de que aquela esperança que venceu o medo há três anos com a eleição do presidente Lula, possa agora estar sendo derro-tada pelos fatos da reali-dade que ora se descor-tinam para todo o país.

* Presidente da Agro-NM - Associação dos engenheiros agrônomos do Norte de Minas

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