*Cláudia Gabriel
Ela já havia saído três vezes com o moço e nada. Sempre uma conversa muito intelectual, meio fria e tímida. Nenhum toque de mãos, nenhum olhar mais insinuante, beijo fora de cogitação. Já estava pronta pra desistir de mais uma história em que as promessas de amor ficavam no ar. Mas o telefone tocou, veio o convite para um vinho e ela aceitou porque não tinha mais nada a fazer naquele dia. Seria a última tentativa.
Apesar da bebida, as cenas se repetiram, a distância permaneceu. Pediram a conta e saíram pela rua. Passeios irregulares, esburacados... Ela estava alta e leve, pelos saltos e pelo álcool. Quase flutuante. Não deu outra. Bem na descida: o tombo. Daqueles em que você se sente exposta, vulnerável, envergonhada. E, como estava tão feminina naquela noite, de vestido com laço na cintura, o resultado foi ainda pior. Quando se levantou, ajudada pelo cavalheiro, o sangue escorreu pelas pernas. Tentou disfarçar, fingiu que estava bem. No fundo, a vontade era de sumir, mas ela mentiu. Ainda tonta pelo susto, foi surpreendida de novo: ele criou coragem, puxou a moça pra perto de si e o que se seguiu foi um longo beijo. Um não! Vários, segundo me contaram. Mais de meia hora numa esquina, no meio da madrugada.
Os joelhos ardiam, queimavam, sujos de cimento grosso, mas ela se deixava levar também por aquela onda súbita de endorfina que anestesiava o ferimento. Prazer e dor juntos como em tantas outras situações. A começar do parto. A mulher que sofre no momento sublime de trazer alguém ao mundo. Ou o romance em que a gente ama tanto que chega a doer. E aquele friozinho que dá na alma, na chegada de alguém muito esperado que vive longe. A alegria se mistura ao gosto antecipado de despedida. Você acaba de ganhar e já tem medo de perder. No aniversário, o mimo de presentes, abraços, palavras doces. Mais um ano de saúde. Menos um ano nesta conta que corre contra a nossa vontade.
Ah, o beijo que desarma e desequilibra, que faz pensar nas contradições. Foi assim com a moça tão segura de nariz empinado, que nunca queria se mostrar frágil. De repente, o gelo se derreteu porque as máscaras dos dois caíram na calçada e eles deram de cara com o inesperado. Desprotegidos da armadura, o encontro aconteceu, seguido daquele silêncio bom. Quando ela desceu do salto, ou melhor, quando despencou do alto de suas ilusões, o tombo levou ao afeto.