Deixe-o nascer

Jornal O Norte
24/12/2008 às 10:11.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:53

Márcio Adriano Moraes


Professor de Literatura e Português


marcioadrianomoraes@yahoo.com.br


 


As dores foram intensas, os gemidos agudos e humanos. Os olhos fechavam e se abriam em uma cadência lacrimosa. O lençol branco acolheu o sangue que escorria por entre as pernas junto com secreções. As mãos plastificadas agarraram a pequena cabeça e foram puxando para o mundo mais um ser. O primeiro choro do infante, o primeiro sentimento, a primeira dor, a primeira poesia. Ela, a primeira mãe; e ele, o primeiro homem humano de Deus.

A mãe amadorista que deu a sua primeira luz imagina o seu destino marcado pelo arrependimento e pelas correntes maternas. Uma jovem muito bela que, agora, não poderia mais aproveitar tão intensamente suas aventuras, pois há um lactente em seus seios. Seios que, outrora trouxeram prazeres másculos, hoje é fonte de nutrição. O ventre malhado que encantava os olhos masculinos se estenderam para acomodar o feto já nascido. O caminho a ser seguido não deve ser mais os das baladas, dos bares, das bebidas, mas sim os do berçário, das fraudas e das papinhas.

No desespero, na ânsia de não perder o tempo jovial do corpo e dos prazeres de adolescente, as relações amorosas intensas começam muito cedo. Entregas e juras mentirosas, muito mentirosas, de amor. Boca espumante e corpos suados na cama. Amar sem amor deveria ser pecado capital. O incômodo mensal não chega. O abdômen já sente algo diferente. Teste positivo. O peso do orbe sobre as costas tão frágeis. O colibri que beijou essa flor a deixa em seu fado e procura outras flores para beijar. É impossível conter as batidas cardíacas de tal pássaro.

Cefaléias, cólicas, enjôos, pensamentos... esconder da família que não espera o herdeiro. A vontade de extirpar, de retirar do ventre o intruso, de assassinar o ser ainda em formação. Intruso , assassino são os falos já formados e vis inconseqüentes. Que o desejo feminino seja saciado apenas por aquele falo que lhe fala ao coração. Mas o corpo é apenas um, a decisão só ferirá o ventre fêmeo... abortar... abortar... não... não...

Natalidade. As responsabilidades da mãe amadorista acolhidas com amor. Uma felicidade inenarrável. O sentido da vida, a razão de viver do homem em dar continuidade a sua espécie. O primeiro passo, a primeira queda, os primeiros balbucios, as primeiras travessuras, a primeira febre, a primeira palavra, o primeiro filho da vida.

Batida no peito uma fina dor ao ver os colegas dos tempos de farras e alegrias joviais em suas vidas maçantes. O carro passa na porta e sai zoando. E se tivesse abortado? E se tivesse renunciado essa alegria tão pequenina?

Cresce o filho e se torna o rei de uma nação, mas não um rei de coroa de ouro, mas de auréola luminosa. Torna-se um homem humano. Desce sobre a sua cabeça uma força espiritual que o impulsiona a realizar o desejo divino: amar. De suas mãos milagres, esperanças e muito amor saem em abundância. A humanidade não aceita um ser tão bom e tão divino. Assassinado pelos homens desumanos de forma cruenta. A mãe aos seus pés, acolhe o corpo do filho que transformou a humanidade. O rosto do primogênito e o seu corpo na cruz de sua morte se tornaram o reflexo da salvação da alma humana.

A primeira mãe estende diariamente as mãos ao alto e agradece a Deus por não ter abortado, por ter lhe dado o seu filho, por ter se tornado a mãe de um grande homem. Agradece a Deus pelas baladas perdidas, pelos amores carnais deixados de lado. Pois o seu filho ensinou a humanidade como amar verdadeiramente. E hoje ela ama até os homens que mataram o seu filho e reza por eles. E mesmo após a sua morte, o filho continua ensinando muitos a amarem e viverem a dádiva da vida. Obrigado terna mãe por ter deixado o seu filho nascer, por não ter abortado o Cristo.

Compartilhar
Logotipo O NorteLogotipo O Norte
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por