Cristóvão Barreto
Qualquer relato, seja lá o que for, é inevitavelmente seletivo.O homem não tem a capacidade de abraçar o somatório de fatos numa única visão panorâmica e, quanto maior for a massa de informação de onde será feita a seleção, mais discutível será a escolha feita pelo relator.
Por exemplo, a seleção de fatos históricos que pareciam naturais em 1960 tem uma outra configuração nos dias atuais.
Embora fossem lentas as comunicações no passado, o ritmo das mudanças era ainda mais lento. No plano tecnológico e econômico, a aceleração foi incrementada por um crescimento na velocidade das comunicações, não podemos dizer o mesmo no aspecto político.
Sob esta ótica, vamos tentar falar sobre as mudanças econômicas ocorridas em Montes Claros nos últimos cinquenta anos, período em que as transformações foram mais fortes, mais agudas, refletindo a velocidade das mudanças ocorridas no mundo.
Naturalmente, não vamos esgotar o assunto e, mesmo a visão dos fatos, pois serão discutíveis. Como foi dito acima, a massa de informações é muito rica, porém, o registro das mesmas, até pelo fato de historicamente serem recentes, carece de maiores dados.
Como fonte de pesquisa, utilizamos a dissertação de mestrado da professora Maria Ângela Figueiredo Braga, defendida por ela na Universidade Federal da Paraíba em 1985, onde ela enfoca o processo de industrialização da área mineira da Sudene. Não poderia desprezar também minha experiência de vinte e cinco anos em cargos de direção nas diversas indústrias de Montes Claros e região, onde trabalhei.
Até o final dos anos cinquenta e início dos anos sessenta, prevalecia uma economia baseada na agropecuária, sendo a agricultura sedimentada no plantio de algodão, que abastecia as pequenas fábricas de tecidos e as usinas de beneficiamento de algodão, retirando o óleo do caroço, porém, essas fábricas dependiam da energia elétrica, cuja capacidade era pequena, e eram fornecidas pela Hidroelétrica de Santa Marta. Somente em 1965 nossa energia foi ligada a Três Marias, dirigida pela Cemig, com uma capacidade muito maior, e que veio dar um salto na nossa economia, pois nessa época a Sudene já havia sido criada e aprovada pelo congresso nacional, em dezembro de 1959.
Porém, até 1964 a agropecuária ainda era o ponto de sustentação de nossa economia, mesmo sendo basicamente uma agricultura de subsistência, sem o apoio tecnológico para apoiar seu desenvolvimento; e a pecuária de corte, além de abastecer a cidade, também fornecia para outras regiões. Essa movimentação financeira, de uma forma ou de outra, alimentava o nosso comércio, aliado a um sistema bancário que absorvia parte da mão-de-obra disponível, já que a pecuária contribuía muito pouco para incrementar o nível de emprego.
Em 1960, nossa população era de 130 mil habitantes, sendo que 70% desses estavam na zona rural. A partir de 1967 esse perfil começa a mudar, com a implantação das primeiras indústrias beneficiadas pelos incentivos fiscais nos projetos aprovados pela Sudene. Vale salientar que, a princípio, Minas Gerais não estaria inclusa no projeto inicial desses benefícios, porém, forças políticas conseguiram incluir quarenta e dois municípios no chamado Polígono das secas.
O Polígono passou então a seduzir empresários estimulados pelos incentivos, novos projetos foram sendo aprovados e diversas indústrias foram implantadas, porém, sem uma coordenação que criasse uma sinergia entre elas. Como exemplo positivo podemos citar o grupo Frigonorte (boi), Cortnorte (couro) e Passonorte (sapato). Isto criava uma linha de produção onde a matéria prima estava ao lado, evitando o custo do frete.
Porém, a maioria das industrias ficava distante dos fornecedores de matéria prima, ou longe de seus clientes, dada a posição geográfica de Montes Claros, apesar de ser um dos maiores entroncamentos rodoviários do país.
É fácil notar que a criação da Área mineira da Sudene teve interesses outros, maiores do que incentivar a região, criar e gerar empregos. Isto, de certa forma ocorreu, porém sem a vitalidade que dela se esperava. O aproveitamento dos incentivos pelas grandes empresas nacionais e multinacionais fica evidente nesta análise, tanto é que a maioria delas, após se esgotar o prazo dos incentivos, fecha suas portas aqui e retorna ao seu local de origem.
Também existe o lado positivo, que vai da geração de empregos a um processo de urbanização que cresceu quase que geometricamente, em comparação aos anos sessenta. Hoje, temos uma população total perto de 360 mil habitantes, e somente 7% vivem na zona rural, um processo de crescimento populacional que obriga os governantes a criarem condições de vida dignas, nas áreas de saúde, educação, transporte, segurança e habitação, já que a migração campo-cidade fez crescer o número de favelas.
Mesmo com todas ressalvas a serem feitas à Sudene, não podemos negar a alavancagem no crescimento e desenvolvimento da cidade que ela proporcionou a partir dos anos setenta. Das indústrias que aqui permaneceram, algumas que podem ser consideradas de ponta ocupam importante espaço na economia nacional e algumas, até em nível internacional, como o Grupo Coteminas, hoje um maiores fabricantes de tecidos no mundo; a Vallée Nordeste, a Itasa (Nestlé), a Novonordisk, a Lafarge, entre outras de menor porte.
Uma nova “Sudene”, como já se cogita criar, é necessária , porém com os interesses voltados para incrementar o potencial das riquezas regionais. Importante também não se esquecer do apoio que deve ser dado às pequenas e microempresas que, muitas vezes iniciadas nos fundos de quintal, se transformam em empresas de porte.