Prezados senhores,
é excelente a reportagem "O Procurador e os Santos", publicada na última Carta Capital (edição de 4 de junho de 2008).
Há anos se faz necessária uma alteração na regra constitucional, prevista no art. 128, parágrafo terceiro, da Constituição Federal, que permite ao chefe do Executivo nomear o chefe do Ministério Público, não obstante os inumeráveis avanços institucionais propiciados pela Constituição de 1988.
Todavia, não compartilho do mesmo otimismo manifestado por Sua Excelência, o atual Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, Fernando Grella Vieira. Faço-o motivadamente, pois em decisão recente, datada de 05.05.2008, Sua Excelência determinou, liminar e monocraticamente, o arquivamento de representação de minha lavra, formulada em dasfavor do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso.
Importa frisar que a representação mencionada, por mim formulada em razão da imoralidade da percepção, pelo ex-presidente da República, de diversas doações que beneficiaram o Instituto homônimo criado por Fernando Henrique Cardoso, fora dirigida à Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, que constitui órgão de execução da primeira instância do Ministério Público paulista. À citada Promotoria de Justiça caberia analisar a representação e iniciar as investigações cabíveis, uma vez que quem não mais exerça função de agente político não preserva - na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - o assim denominado foro privilegiado.
Ainda assim, no atropelo das conquistas institucionais do Ministério Público, alcançadas pela Constituição Federal de 1988 - dentre as quais se encontra o princípio do juiz natural e, reflexamente, o do promotor natural - o Sr. Fernando Grella Vieira chamou a si a decisão de arquivar a mencionada representação por mim formulada contra o Sr. Fernando Henrique Cardoso.
Insisto em que a atribuição a tanto seria da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público, de primeira instância portanto. Fê-lo o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral de Justiça paulista com base em parecer de seis laudas lançado sob o número de protocolo MP 51.354/08 (RI 3890-PGJ), embora a representação por mim formulada não lhe tenha sido dirigida, já que não versava atos cometidos por agente político no exercício de sua função, escapando portanto à atribuição do chefe da instituição ministerial paulista.
Coloco à disposição dessa prestigiosa revista a decisão de arquivamento, de que tenho o original, e para tanto informo que o meu telefone é o seguinte: (31) 9195-3676 e (31) 3011-2983.
Outrossim, envio no anexo a inicial da representação de minha lavra, para que os fatos mencionados possam ser bem compreendidos por essa publicação independente, possibilitando à sociedade uma melhor reflexão sobre a necessária independência e autonomia da instituição Ministério Público em relação ao Poder Executivo. Trata-se de uma cruzada que já é chegada a hora de empreender.
A representação que formulei trata, em suma, dos atos de improbidade que resultaram na criação - mediante doações do empresariado nacional público e privado - do Instituto Fernando Henrique Cardoso. Embora o assim chamado IFHC somente tenha sido inaugurado no ano de 2004, desde 2002, último ano de seu governo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso iniciou a coleta de fundos privados para sua criação. Como noticiado nas reportagens da época, até o dia da estréia do instituto, em maio de 2004, o caixa arrecadado para sua instalação e funcionamento alçava a multimilionária quantia de cerca de R$10.000.000,00 (dez milhões de reais), sendo que verbete extraído da página da enciclopédia Wikipedia na internet menciona que o instituto obteve junto a empresários a importância, ainda superior, equivalente a R$ 15 milhões (quinze milhões de reais).
O episódio constitui a primeira vez na história republicana do Brasil em que um ex-governante do país deliberadamente buscou junto aos empresários privados do país – muitos dos quais tendo celebrado inclusive negócios junto ao governo federal – doações para a criação de uma pessoa jurídica que lhe fosse diretamente ligada.
Até para explicar a criação do instituto que hoje leva seu nome, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso cometeu um desvio de conduta, pois divulgou uma nota oficial valendo-se do então porta-voz da presidência da República, remunerado, escusa dizer, pelo tesouro público.
O ex-presidente procurou justificar sua conduta, à época, ao argumento de que não seria diretamente remunerado pelo instituto que criaria. Contudo, o fato é que, a partir da criação de seu instituto, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso passou a dispor e usufruir de um luxuoso aparato utilizado como seu escritório pessoal, podendo ainda saciar a sua vaidade ao dispor de uma espécie de museu ou depósito de seus bens pessoais, como livros, telas ou outros objetos, servindo, em realidade, os empregados do Instituto Fernando Henrique Cardoso como arquivistas pessoais do ex-presidente. A página na internet do mencionado instituto justifica a necessidade do sistema de arquivo dos bens que recebeu enquanto presidente da seguinte forma:
“Símbolos do apreço à democracia aparecem em imagens como as da cerimônia de reconhecimento dos erros do Estado brasileiro durante o regime militar; da dívida com a população negra, com o selo comemorativo de Zumbi dos Palmares; ou ainda, do cuidado com os presentes recebidos durante os dois mandatos.” (Grifo nosso; extraído do seguinte endereço eletrônico: http://www.ifhc.org.br/Periodo.aspx?mn=8&id=8).
Para usar de expressão cara ao ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, o autor da explicação acima, ao dizer que esse cuidado simboliza apreço à democracia, deve crer que todos os brasileiros são “bobocas”.
Há ainda o aspecto simbólico, relacionado ao benefício acarretado pelo status, muito importante na cultura ocidental, de ocupar, o ex-presidente da República, a presidência de um instituto que já nasceu multimilionário.
Não obstante a argumentação de que o modelo de criação do Instituto Fernando Henrique Cardoso teria sido copiado de outros países, não se pode pôr de lado que as soluções para os problemas brasileiros deve ser pensada a partir da realidade nacional, e somente inspirada por experiências estrangeiras, no que se mostrem harmoniosas entre si. Nesse sentido, diante dos elevados índices de corrupção em nosso país, é pedagogicamente maléfico à sociedade o mau exemplo protagonizado pelo citado ex-presidente da República. Isso porque atitudes como a acima narrada, de obtenção de significativos recursos privados por um servidor público, que ainda se encontrava no desempenho de suas funções, dão à população a impressão de acentuada imprecisão de limites entre o que é público e o que é privado, fazendo parecer que o homem público tudo pode.
Impressão dessa ordem já havia tido, no início do século XVII, o primeiro historiador pátrio, Frei Vicente de Salvador. Nas palavras do Professor Fábio Konder Comparato, maior jurista brasileiro desde Pontes de Miranda,
“O fatídico juízo de frei Vicente do Salvador continua a pesar sobre nós como uma maldição, quatro séculos depois de proferido: 'Nem um homem nesta terra é repúblico nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular'.” (Fabio K. Comparato, Folha de S. Paulo, 26 de dezembro de 2004, Tendências e debates, folha 03).
As coisas, porém, não param por aí. Trazendo o âmago da questão, sob o ponto-de-vista territorial, ao Estado de São Paulo, como foi noticiado pelo jornal Folha de S. Paulo, edição de 18.01.2007, a Sabesp, uma sociedade de economia mista ligada ao Estado de São Paulo, doou no ano de 2006 a importância de R$500.000,00 (quinhentos mil reais) para o Instituto Fernando Henrique Cardoso.
Por fim, deve ser posto em destaque que as ações de ressarcimento decorrentes de condutas como a acima noticiada são imprescritíveis, como determina o artigo 37, § 5º, da Constituição de 1988, verbis:
“Art. 37 [...]
§ 5º. A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.” (Destaque ausente do original).
Por fim, a título de curiosidade, a página na internet do Instituto Fernando Henrique Cardoso informa, no ícone “Fale conosco”, verbis:
O iFHC, entidade privada, não está aberto à visitação pública.
Daí se vê claramente a inutilidade do referido Insituto para a sociedade brasileira, que o desconhece inteiramente, mantendo-o no anonimato e obscurantismo.
Em síntese, o que requereu este subscritor ao Ministério Público paulista (embora não ao seu Chefe, o Procurador-Geral de Justiça, mas sim à sua ilustrada Promotoria de Defesa do Patrimônio Público), foi que fossem adotadas as medidas cabíveis com relação aos fatos mencionados, promovendo-se as ações judiciais pertinentes, de modo a coibir-se os atos de improbidade administrativa (de imprescritível ressarcimento, a teor do artigo 37, § 5º, in fine, da Constituição Federal) que tiveram lugar, nos anos de 2002 e seguintes, neste país, inclusive no Estado de São Paulo, pelo senhor Fernando Henrique Cardoso.
Um último detalhe, por fim, que não tem a ver diretamente com o teor da representação acima mencionada, é o de que a reportagem dessa Carta Capital toca em um ponto fundamental na estruturação do Ministério Público em diversos Estados. Em Minas Gerais, p.ex., o atual governador de Estado também há anos não é incomodado por ações ajuizadas pelo atual Procurador-Geral de Justiça. A propósito, o Procurador- Geral de Justiça escolhido por Aécio Neves, embora eleito em primeiro lugar quando da eleição que o reconduziu ao cargo, colocara-se apenas em terceiro lugar na lista tríplice que o alçou, pela primeira vez, ao posto de Chefe do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. E não consta que o Governador de Minas esteja sendo ou já tenha sido incomodado pelo mesmo.
Todas essas questões poderiam ser exploradas por reportagem dessa Carta Capital.
Para que fique claro que não sou um aventureiro inconseqüente, esclareço que sou autor de dois livros, um dos quais selecionado em concurso público promovido pela Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais ("O homem na Pré-História do Norte de Minas"), e o segundo recentemente publicado ("A inacabada família humana"; Belo Horizonte, 2008), além de ter sido membro da Academia Montes-clarense de Letras e de integrar o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Exerço ainda a advocacia em Belo Horizonte e fui por vários anos editor e jornalista em jornais de Montes Claros e Janaúba, MG.
Coloco-me à inteira disposição da Carta Capital relativamente aos assuntos objeto desta missiva, para o quê informo que tenho endereço profissional na Rua Guajajaras,. n. 1470, sala 1507, bairro Barro Preto, Belo Horizonte, MG - CEP 30.180-101.
Atenciosamente,
Leonardo Álvares da Silva Campos
OAB/MG 41.849