Adilson Cardoso *
Ontem se passou na intensa velocidade das horas. Fiquei devendo muitas coisas a min mesmo: um sorriso que fechei por não me dar conta de como tudo passa tão rápido. Um oi que minha estomatite não deixou que eu oferecesse a alguém que se precipitava em minha direção.
Minhas doces palavras foram engolidas e retorcidas numa imensurável cólica social. De repente acordo com algo misterioso vibrando dentro dos meus sentidos. Olho com os olhos mareados no retrovisor do tempo, e vejo um balão de revista em quadrinhos com um gritante vazio apontando a seta em minha direção. Vou recapitulando o que me feriu, sentindo a chaga se abrir ainda mais, quando me lembro o que eu não disse.
Poderia ter dito que amava, pedindo licença ao Epitáfio do Titãs, que chora a morte do saudoso Fromer, "poderia ter amado mais, ter me arriscado mais". A ser mais educado e compreensível, a não ocultar as coisas que preciso dizer, por falta de coragem de assumir meus sentimentos.
Preciso dizer tantas coisas! Que a Primavera chegou dentro do meu peito, que como uma gestante em dias de parir, estou prenhe da felicidade interior, que ao contrário do que andei dizendo, não quero morrer! Quero vida, vida em abundância para pintar meus quadros, fazer explodir nas cenas urbanas as cores quentes do afago, tingir o céu da desesperança com as cores tenras juvenis, na prosopopéia das nuvens animando os quatro cantos da terra.
Preciso dizer o quanto é supérfluo mastigar a raiva, me perder nas montanhas solitárias do egoísmo, para não sentir o cheiro da simplicidade. Dizer que destruir a história para construir o presente é genocídio. Preciso ainda dizer que as coisas que eu não acredito, não desfaço com desdém, se é crença da maioria, mas bem que eu queria uma chance para ser Deus. Louco? Não, nem estou brincando.
Se o poder de ser o todo poderoso me fosse dado, eu queria proibir qualquer tipo de religião, baixando um decreto onde diria: A partir desta data, deste ano que decorre, fica expressamente proibida a prática da religião com o intuito de chegar a mim. A todos os seres será dado o direito de continuação à prática, mas se esta for para fins de satisfação pessoal. Do Oriente, com todas as suas raízes e ramificações radicais, o Cristianismo, com todas as correntes, católicos e protestantes, também as de cultos africanos em geral.
Quero que a união que pleiteia um lugar no céu seja humana e carismática, nenhum dinheiro mais será dado em meu nome, pois eu não preciso de dinheiro extorquido dos fiéis, com a ameaça de ir para o inferno. Declaro, a partir deste momento, que todos os templos colossais erguidos, com o sacrifício do povo humilde, em todos os cantos do Planeta, se voltem imediatamente para as mãos desse povo. Que essas obras gigantescas feitas para levar dezenas e dezenas de pessoas a cultos ao meu nome, se tornem casas de amparo aos miseráveis que perambulam esmolando pelas ruas deste mundo. Registre-se! Divulgue-se! Cumpra-se! Assinado) Deus.
* Aprendiz de Escritor