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Terça-Feira,24 de Junho

Darcy Ribeiro, por quem os sinos tocam

Jornal O Norte
Publicado em 07/03/2007 às 10:32.Atualizado em 15/11/2021 às 07:59.

Paulo César Gonçalves de Almeida *



Darcy Ribeiro saiu das entranhas de Montes Claros no final da década de 1930 para ganhar o mundo e para ser classificado, além de homenageado, como etnólogo, antropólogo, professor, educador, ensaísta, romancista. Da terra natal gostava de falar pouco. Numa entrevista à antiga TV Montes Claros, disse que a cidade dele era aquela do passado, não esta, nova, com ares de metrópole, mostrando a sua faceta tradicionalista, fincada no passado de Mestra Fininha, sua mãe.



Tanto assim, que o sonho que acalentou durante anos foi ser coroado na ‘Festa do Divino’, em agosto, e assim o fez quando já a noite da vida preparava-se para cobrar a presença dele entre outros intelectuais que o aguardavam no universo espiritual.



Gostava de dizer que o montes-clarense não tinha medo do amanhã. Quando foi acometido de um câncer no pulmão, ainda no exílio imposto pelo regime militar, disse que “câncer para montes-clarense é verruga e se cura com benzeção. O meu é dos bons, uma bolinha maligna, extirpada com o pulmão, dispensável, me deixará bom”. Na época, os médicos disseram que ele tinha 5% de chances de sobreviver. Sobreviveu.



Somente um destemido como ele para enfrentar o mundo. Começou testando esse destemor com índios, no Mato Grosso, depois no Amazonas, Paraná e Santa Catarina, trabalhando no Serviço de Proteção aos Índios de 1947 a 1956. Serviu à Unesco e criou o Museu do Índio, mostrando ao mundo os impactos da civilização do século XX sobre as comunidades indígenas.



Ao mesmo tempo, atuava como educador, unindo-se a Anísio Teixeira na construção da Universidade Nacional de Brasília (UnB). Fala rápida, muitos gestos, ao expor o projeto da UnB ao presidente JK, causou espanto. Mas o presidente aprovou a idéia. Também, diante de tanta vontade de realizar sonhos, não haveria como deixar de aprovar. Irrequieto, foi ministro da Educação de Jânio Quadros, assumiu a Casa Civil no governo de Goulart e, no exílio, assessorou os governos de Salvador Allende (Chile) e Velasco Alvarenga (Peru). Chegou a brincar diante de tanta mudança: “é encostar num governo e ele cair ou ser deposto pela força”.



O legado recente de Darcy Ribeiro é o que tem sido reconhecido com maior vigor na atualidade. Está bem firme na memória a construção dos Cieps, escolas de educação integral, de cujas costelas surgiram os Caic’s. Hoje, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – a LDB - é instrumento precioso para os avanços educacionais, principalmente no ensino básico. Foram idéias criadas e defendidas pelo gênio criativo de Darcy. Ao voltar do exílio, na década de 1980, manteve a mesma caminhada, aliando-se a Brizola, de quem foi vice-governador, atuando no Senado e nas lides intelectuais. O mesmo Darcy, destemido e irrequieto, criativo e nobre, forte e audaz, fecundo prócer do saber e do fazer.



Na edição da revista ‘Istoé’ que escolheu, no final do ano passado, os brasileiros do século XX, Darcy Ribeiro ficou em sétimo lugar, recebendo 53,40% dos votos. Montes Claros ficou cheia de si. Tinha que ser assim com aquele homem que, aos 11 anos, conta a revista, achava que deveria ser coroinha.



O sacristão da época pensava o contrário. Mas Darcy insistiu e, para impressionar, decorou todo o responsório em latim. Sua performance diante das beatas foi suficiente para conseguir o posto de coroinha. Isto até os 14 anos, quando, incumbido de tocar o sino da Igreja, empolgou-se e badalou o campanário como se anunciasse um incêndio. Parou imediatamente na roda dos intelectuais da época, o que ampliou seu olhar, levantou seu queixo e o fez mirar para horizonte muito maior e profícuo.



Agora, dez anos passados da morte de Darcy Ribeiro, os sinos é que devem tocar em sua memória. E a cidade deve valorizar o seu legado, servindo de húmus para adubar nova colheita na seara do desenvolvimento intelectual, cultural e para a inserção socioeconômica verdadeira.



* Reitor da Unimontes - Universidade Estadual de Montes Claros

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