Anelito de Oliveira *
O texto “Marco de descrença”, publicado aqui na terça-feira 27 de abril, talvez tenha sido recebido pelos leitores mais interessados com uma certa estranheza. Não será um lugar-comum falar em descrença em relação a partidos e políticos? Não será um atestado muito temporão de ingenuidade? Quando um PMDB de Sarney ou um PT de Dirceu foram dignos de crença, de serem acreditados? Atualmente, com tanta roubalheira na política, parece que todos os políticos profissionais sempre foram desacreditados, já nasceram sob o signo da descrença. Sobretudo, pessoas mais novas, nascidas do início dos anos 90 para cá, tendem a achar que político é tudo igual, sinônimo de bandido, que partido é sinônimo de quadrilha.
Todavia, por incrível que pareça, houve um tempo em que partidos e políticos foram acreditados, despertaram a crença das pessoas em geral e respeito dos seus opositores. Nesse tempo, surgiram os “Pês” da vida mais representativos na política brasileira: PCB, PSB, PT, PMDB etc. A crença de um número expressivo de pessoas, não apenas de militantes, foi o aval decisivo para o surgimento e consolidação desses partidos e seus agentes. Especialmente, o PMDB e o PT, partidos de massa, devem seu êxito à crença de que representavam, de fins dos anos 70 a meados dos anos 90 do século XX, os interesses da maioria da população, de que estavam comprometidos com as grandes causas, como a educação, a cidadania e a justiça social.
Hoje, somente hoje, analisando o exercício do poder público pelo PMDB, pelo PT e aliados de conveniência, eternos sanguessugas da “res publica”, sabemos, passamos a saber, que o que se diz em política é aquilo que não se faz, e vice e versa. Resultado natural: não acreditamos mais na veracidade dos discursos de partidos e seus políticos. A descrença, em todos nós, tomou o lugar da crença, passou a constituir o nosso pré-conceito em face da política. Mas quem realmente sabe disso, quem não acredita nos discursos, quem, enfim, está mesmo descrente? Não seria pretensioso demais pensar que todos estão descrentes na política porque sabem em quê consiste a política atualmente?
No fundo, não faltam evidências de que as pessoas em geral ainda creem na política, apesar do mensalão, da Satiagraha, das passagens etc etc. O altíssimo índice de aceitação do Governo Lula é a maior de todas as evidências. Uma outra é o retorno do PMDB ao comando da maioria das prefeituras, da Câmara e do Congresso. Na esfera local, a eleição de Tadeu Leite, bem como de tantos vereadores de perfil humilde, também evidencia essa crença. No caso do prefeito, trata-se de uma crença no discurso de uma administração que se efetivaria com a força de todos e para todos. Grande parte do eleitorado tomou isso como mera expressão de populismo, coisa de quem apenas queria ganhar eleição – daí a pequena diferença de votos a favor de Tadeu.
Entretanto, muitos daqueles que acreditaram nesse discurso, movidos pela descrença na administração de Athos Avelino, certamente partiram do princípio razoável de que o problema histórico do poder público municipal pelo interior do país, não só em Montes Claros, é se fechar entre poucos, revestindo-se de uma natureza oligárquica improdutiva, para não dizer estúpida. Esses eleitores-apoiadores de Tadeu Leite, numa demonstração de boa-fé, acreditaram na promessa de que os muitos, os pobres, seriam parceiros reais da administração, sujeitos de uma ação transformadora da realidade local. Passados os primeiros cem dias de governo, nada de fundamentalmente novo. Os movimentos sociais se agitam. A descrença avança.
* Anelito de Oliveira é Doutor em Letras pela USP, Mestre em Letras pela UFMG, ex-Superintendente de Publicações e Editor do Suplemento Literário de Minas Gerais (1999-2003), Professor do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Social da Unimontes (PPGDS), Diretor do Núcleo de Estudos Sobre Hannah Arendt (NESHA), Professor e Coordenador-Adjunto do Programa de Mestrado em Estudos Literários da Unimontes (PPGLEL). anelitodeoliveira@gmail.com / www.anelitodeoliveira.blogspot.com