Ronaldo Duran
Escritor
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A professora de geografia de surpresa nos convocou para instalar o datashow. Iria ser mais um filme. Nem me opunha. Afinal, os filmes que traz sempre são bem-recebidos. A galera arrumou as cadeiras em círculo. A algazarra cedeu espaço para o silêncio. O nome do filme: Terra. Trata-se de um curta-metragem, montado a partir de várias fotos que volta e meia recebemos de e-mails dos amigos ou spams. A miséria como pano de fundo. Crianças nas ruas, famintas. Pessoas catando comida nos aterros sanitários. Guerra, injustiça social. Bem, o filme é de virar o estômago dos mais sensíveis.
A mensagem do filme era clara: faça algo para melhorar o mundo. E como? Faltou dar a sugestão. Obviamente que um ambientalista acharia mais que oportuno fazer menção à industrialização desenfreada que mata a água dos rios e que corrobora para os lixões. A geografia, além das questões ambientais, pode ater-se na concentração de capital, caso a vertente seja mais econômica.
Na minha cabeça as imagens fizeram estrago bem maior. A imagem de ver a criança africana, definhando, assistida por um urubu, que parecia esperar que a pobrezinha caísse para que ele pudesse abrir-lhe as entranhas, ah, me desabou. Talvez tivesse outros problemas em mim que não pude identificar, mas com certeza a cena foi a última gota para o balde de minha alma transbordar.
Entrei numa deprê. Quantos filmes mais impactantes eu já vi, e nem por isso caí na depressão. Este foi implacável. Retirou-me a vontade de comer. Parece que assim eu me penitenciava por meu sentimento de culpa diante da criança sucumbindo à fome. Nós, cidadãos, sempre querendo pôr no governo ou em qualquer pessoa, menos em nós mesmos, a culpa dos males do mundo. Jamais admitimos que nós somos o governo ou que há muito que podemos fazer sem esperar que o outro faça. Isso abalaria nosso comodismo.
A galera na escola estranhou. Logo eu internada por anorexia. Eu sempre contra a exploração da imagem da mulher, estaria agora preocupada com minha própria, com medo de engordar? Nada. Seu tivesse tempo diria a eles que foi uma convicção cidadã que me levou à greve de fome.
Fui uma adolescente de 17 anos irracional, confesso. Existem vários modos de lutar. Escolhi o mais nocivo? Não foi escolha. Primeiro me abateu a depressão. Em seguida, vieram os enjôos e vômitos assim que ingeria qualquer alimento. De quebra, a falta de vontade de viver, a figura esquelética, a internação, o soro, os pais sofrendo, e eu aqui sem saber se eu escapo desta...