Como uma carta - por Eduardo Lima

Jornal O Norte
Publicado em 24/04/2007 às 11:56.Atualizado em 15/11/2021 às 08:03.

null



Descansa ao pé da porta, vindo de correio, o exemplar de O Norte. Não o tivera nas mãos, ainda, em situação tão confidente. De tocá-lo, a experiência pouco se deu numa noite de mesa, aí em Montes Claros. Coisa ida de ano, talvez. Depois disso, todo o contato se fez virtual, virtual e frio, carregado de brilho, o mais falso deles, travestido em máquina de comer distância e corpo. Por fim - obrigado Regin, obrigado Zecão - por fim toco minha cidade - o jornal no papel tem outra vida. Traz um cheiro. Traz uma textura que convida ao toque, carícias.



Olho ao longe o corredor além da porta, curvo-me a rés da porta e ao apanhá-lo rápido, aninho-me um gesto vago. Ninguém me vira. Abraço o papel sem forças. O papel que alisado com vigor e delícia não se arrepia. Não me reconhece o toque o que vem de minha terra, gravado já em outras histórias. Novidades e poesia, politicagem, adivinhações e compromisso. Minha cidade e os segredos que me vinham ser contados, não podem mais entender minhas carícias; minha cidade mudou. Por tudo em si, mudou.



Por mim, parco, na muda trocara somente a própria pele, eu que vivo de dissimular. Minha cidade não. Como todas, tem a dinâmica das coisas que não se deixam no tempo, senão num dos tempos dele: o presente.



Montes Claros, compreendi ao tocar O Norte e não vê-lo arrepiar, minha cidade de sutilezas, de tudo perto, de quebra queixo. Minha cidade sem ladeiras e com ruas a fim de nada. Cidade de tantos que, como eu, souberam amar de pronto, aturdidos pela descoberta e pelo segredo inenarrável da ingenuidade, minha cidade e eu não nos compreendemos mais. Não são minhas cantigas para adormecê-la, nem meus versos para tocar-lhe parte íntima.



Apanhando o jornal é que percebi a frieza e o abandono que nos impusemos. No mundo me fiz e Montes Claros ficou ali, em si, quedada pela ânsia, pelos pequenos pecados de uma cidade grande, aguardando de si uma metrópole, ao som dos surdos, à ovação dos mudos, à formidável inadimplência da Sudene, madrasta, a cega visionária que se serviu de nossas delicadezas.



Com o jornal já não falo a língua que falei às placas e a luas, aos fícus e judiações de entardecer. Minha cidade é o mito de Drummond e não liga, não se lixa, desdenha. Pujante, hoje planta noutros meninos a esperança que fomos. Como deve ser e é lógica das aldeias megalópicas, cidades que não podem parar para arrepios, pois que podem profanar amores tantos. Uma cidade assim, civilizada, aposentou os arroubos.



Ao folhear e ler O Norte, constatei: minha cidade ficou num encontro longe. Agora, aos cento e cinqüenta anos, jovem e robusta, não faz amor como em criança. Traz o viço de menina e a malícia de donzela pronta. E o cronista gasto, este aqui de memorial angústia, tenta compreender o tempo nos homens e o tempo nas coisas dos homens. Uma cidade, aos cento e cinqüenta anos, é moça. Um homem aos cinqüenta e cinco traz já em si os sinais da intolerância, uma preguiça, desencanto. E o tempo que nos resta cabe, sistematicamente neste caso, só em palavras.



O jornal O Norte no papel deu-me este recado. Embora eu nele visse algo de sonho, imagens e pensares imortais dos amigos de outro tempo. Saudade demais/image/image.jpg?f=3x2&w=300&q=0.3"right">goialima@terra.com.br

Compartilhar
Logotipo O NorteLogotipo O Norte
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por