Dário Cotrim

Lavor em “alla prima”

Publicado em 26/05/2023 às 20:00.

Lembro-me, como se fosse hoje, em perfeita inspiração pelas artes-plásticas, quando reunir os amigos e familiares para o meu primeiro vernissage no mundo das artes. Tudo aconteceu no dia 21 de dezembro de 1991, no salão nobre da Associação dos Funcionários do Banco do Brasil, tendo ainda como atração máxima da cultura montes-clarense, uma belíssima apresentação do Grupo Banzé, que deixou os meus convidados extasiados pela beleza das cores em evoluções pelo salão e pelo encanto do musical num ritmo contagiante do triângulo e do pandeiro. Infelizmente, por recomendação médica, não pude continuar a bolinar com as tintas coloridas sobre a paleta de madeira, em vista do meu estado asmático, era preciso conter a minha insistência em continuar borrando telas. No decorrer do tempo, atendendo a uma sugestão de um amigo comum, abandonei a pintura e prosseguir a escrever poemas. Constata-se, com alegria, que hoje já tenho mais de cinquenta livros publicados. 

Porém, sabemos que as cores que se misturam sobre a tela, depois da bagunça proposital, revelam o estado d’alma e conforta o coração num mundo mágico da fantasia florescente em nossa vida. Por outro lado, a literatura, a tudo isso, complementa com sabedoria inquestionável o saber viver. Tenho saudades do meu mundo colorido das tintas na paleta. É verdade! Entretanto a paixão maior agora fica por conta dos meus livros. Até quando? Ainda não sei.

Aliás, as artes-plásticas foi o delineamento que me possibilitou o maior impulso para a literatura. A contribuição dos acadêmicos Wanderlino Arruda e Amelina Chaves incentivando-me a pertencer a Academia Montes-clarense de Letras, abriu-me as portas e janelas para o aprendizado das letras na formação dos versos e das prosas do meu dia a dia. Não eram poucas as dificuldades que teria eu de vencer os preconceitos da língua na terra de Darcy Ribeiro e Ciro dos Anjos. Falar errado era uma herança da minha querida terra do Gentio, haja vista que os pais daquele tempo pouco se importavam em corrigir os seus filhos na concordância das palavras. Aliás, nem mesmo eles sabiam falar com correção a nossa língua pátria. 

Dos meus quadros, produzidos em tempo de outrora, tenho alguns deles na sala de nossa casa. É gostoso ver e verificar o colorido neles à meia-luz. Desenhar paisagens e pessoas, fazer escultura na madeira e escrever poemas e prosas são os rumos que determinam o caminho do saber e do conhecimento. Entretanto, a música nunca foi fácil em minha vida. A primeira tentativa de participar de um Programa de Colores, com a canção “Essa garota é papo firme”, de Roberto Carlos, foi um desastre. Levei uma vaia que nunca mais me atrevi em cantarolar, mesmo num tamborete de boteco. 

Não há dúvidas de que a vida nos reserva surpresas. Lavor em “Alla Prima” foi o encanto que coloriu a minha alma, foi o doce dos momentos mais amargos e o sal da minha vida em parceria com a dedicada Júlia. Plantar uma árvore; plantei algumas, ter filhos; temos três, escrever livros; já tenho mais de cinquenta. Será que só isso basta? Não! O mais importante agora é saber cultivar as conquistas e agradecer, todos os dias que ainda me resta, na “soli deo gratia” a mim concedido.

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