Dário Cotrim

Cabelos cacheados

Publicado em 30/11/2024 às 00:07.Atualizado em 30/11/2024 às 05:08.

CA minha saudosa irmãzinha, a Dorinha, era uma menininha que encantava a todos pelas suas inocentes traquinagens. Risonha, ela sempre vivia valsando pela sala da “Casa Grande de Mãe Velha”, como se a vida jamais lhe reservasse momentos de tristezas e de aflições. Com os seus belos cabelos loiros, que brilhavam no sacudir dos cachos encaracolados aos raios do sol, tinha ela a admiração de seus pais e dos amigos da família. Foi batizada com o nome de Doralice Teixeira Cotrim, na pia batismal da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, do distrito de Gentio, com todos os apetrechos da Santa Igreja Católica, sob a proteção da milagrosa imagem de Santa Rita de Cássia, a intercessora das famílias e das causas impossíveis.

A menina desfrutava apenas de um ano e dez meses de idade, e já era uma figura ímpar no meio social de nossa comunidade. Apreciava a boa música e vivia dançando alegremente, sempre quando alguém colocava um disco vinil para volver na antiga vitrola da sala. Era o ritmo do baião-xaxado de Luiz Gonzaga que ela mais benqueria para dançar. De riso doce e fácil, havia o encantamento perfeito para o regozijo dos mais velhos, principalmente o nosso avô Manoel Antônio Cotrim, que delirava ao vê-la bailar com leveza e encanto.

Um dia, Dorinha amanheceu doente. Não se sabia o que era e, rapidamente os seus pais levaram-na para a cidade grande na esperança de sua cura. Veio o diagnóstico; era crupe, uma inflamação da traqueia e da laringe normalmente causada por uma infecção viral contagiosa que causa tosse, e às vezes, dificulta a inspiração. Não havia, naquele tempo, um atendimento médico eficiente e nem os remédios necessários para combater o mal, pois esses também não existiam.

Por isso, Dorinha se foi. Um manto fúnebre encobriu o saudoso distrito do Gentio num silêncio profundo e triste. Minha mãe, inconsolada, chorava copiosamente diante de um inocente anjinho, inerte, aos caprichos da sorte. Meu pai, pesaroso e triste, assim como todos os familiares, permanecia desolado como se o mundo tivesse desabado sobre sua cabeça. Foi aí que lhe veio a ideia de cortar e guardar uma pequena mecha dos cabelos loiros de sua filhinha e tê-la como uma doce lembrança para sempre e sempre. 

Hoje, além de Dorinha, a nossa mãe e o nosso pai estão agora no plano celestial, bem ao lado da filhinha amada. Para lembrança nossa, a mecha de cabelos, dos belíssimos cabelos loiros da menina que dançava animadamente, se encontra conosco, alimentando a memória daqueles que tanto nos amaram. Dorinha nasceu no dia 15 de agosto de 1947 e faleceu no dia 3 de junho de 1949. Neste fatídico dia, a vila de Nossa Senhora do Rosário do Gentio viveu os piores momentos de sua existência. Por outro lado, consternados com o perecimento da filinha sorridente, os seus pais nunca deixaram de lembrar-lhe dos bons tempos em que juntos viveram. 

A vida é uma aventura. A morte é um mistério. Porém, a morte não representa o fim, senão o início de uma nova e imorredoura vida. Nos funerais daqueles tempos não era comum o acompanhamento musical, mas, o cortejo de Dorinha aconteceu ao som da boa música do rei do baião, Luiz Gonzaga, que teve a participação do saxofonista Renato Preto e do clarinetista Flávio David, na execução das melodias. Saudades! 

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