Mateus 5.21-26, parte do Sermão do Monte, traz à tona uma compreensão profunda da justiça que excede a superficialidade das normas humanas. Ao abordar a raiva, o insulto e a reconciliação, Jesus subverte as expectativas de uma religião baseada apenas no comportamento externo, direcionando seus ouvintes a uma santidade que emerge do coração. Sob a perspectiva reformada calvinista, esse texto revela a seriedade do pecado, a insuficiência da justiça humana e a necessária dependência da graça divina para a transformação interior.
No versículo 21, Jesus lembra aos ouvintes o mandamento “Não matarás”, conhecido desde os dias de Moisés. No entanto, ele não se limita à letra da Lei, mas expõe sua dimensão espiritual, declarando que a raiva e o insulto também são dignos de julgamento. A interpretação reformada enfatiza que a Lei de Deus não é apenas um código de conduta externa, mas também um reflexo de sua santidade. Como Calvino argumenta em suas “Institutas”, a Lei é um espelho que revela não apenas nossas ações, mas também os desejos pecaminosos de nossos corações.
Aqui, o texto confronta uma tendência comum ao legalismo, que reduz a moralidade às ações visíveis. Jesus denuncia esse erro ao demonstrar que o pecado começa no interior. A raiva, quando alimentada, é uma forma de assassinato em potencial, pois é um reflexo do desrespeito à dignidade do outro como portador da imago Dei. Essa é uma verdade que desafia todos os cristãos, lembrando-nos que o pecado é sempre mais profundo do que aparenta.
Sob a perspectiva calvinista, o ensino de Jesus também destaca a gravidade universal do pecado. A raiva e o desprezo por outros não são problemas menores; são manifestações do coração corrompido. Como Paulo afirma em Romanos 3.23, “todos pecaram e carecem da glória de Deus”. Mesmo os pecados considerados “menores” aos olhos humanos são graves diante de um Deus santo.
Esse entendimento desafia uma cultura que tende a minimizar o pecado, tratando-o como mero erro ou falha de caráter. Quando Jesus equipara a raiva ao assassinato, Ele desmascara nossa tentativa de justificar atitudes pecaminosas com racionalizações. Isso nos leva à consciência de que precisamos desesperadamente da redenção oferecida por Cristo. Como Calvino enfatiza, “fora de Cristo, tudo o que o homem faz é digno de condenação”.
Os versículos 23 e 24 de Mateus 5 destacam a importância da reconciliação. Jesus afirma que antes de oferecer qualquer sacrifício a Deus, é necessário buscar a paz com o irmão ofendido. Este ponto é crucial na teologia reformada, pois sublinha que a verdadeira adoração a Deus é inseparável da harmonia com o próximo. A reconciliação não é uma opção, mas uma expressão da graça de Deus em nós.
A abordagem reformada também ressalta que a reconciliação é possível apenas porque Deus, em Cristo, nos reconciliou consigo mesmo. Efésios 2.14-16 descreve Jesus como aquele que destruiu a barreira de inimizade, reconciliando judeus e gentios por meio da cruz. Portanto, quando buscamos a reconciliação com outros, estamos refletindo a obra de Cristo e demonstrando os frutos do evangelho em nossas vidas.
A mensagem de Mateus 5.21-26 é, acima de tudo, um chamado à graça transformadora. A justiça que Jesus exige é inalcançável por esforços humanos. No entanto, essa é a beleza do evangelho: Deus não apenas exige uma justiça superior; Ele a provê em Cristo. Como Calvino observa, é pela habitação do Espírito Santo que somos santificados e capacitados a viver conforme a Lei de Deus.
Essa é uma esperança poderosa em um mundo marcado por conflitos e divisões. A raiva e o desprezo continuam a destruir relações e comunidades. No entanto, o evangelho nos chama a um caminho diferente: o caminho da graça, do perdão e da reconciliação. Quando reconhecemos a profundidade de nosso próprio pecado e recebemos a graça de Deus, somos transformados em agentes de paz no mundo.
Diante dessa passagem, somos desafiados a examinar nossos corações e relações. Há alguém que você precisa perdoar ou de quem precisa pedir perdão? A reconciliação pode ser difícil, mas é um testemunho poderoso da graça de Deus em nossa vida.
Além disso, essa passagem nos chama a combater a cultura do desprezo e da hostilidade. Como cristãos, devemos ser exemplos de amor e respeito, mesmo em meio às discordâncias. Isso significa evitar palavras ou ações que desumanizem outros e buscar formas de promover a paz e a unidade.
Finalmente, somos chamados a depender diariamente da graça de Deus. A santidade que Jesus exige não é algo que podemos alcançar por nós mesmos. É apenas através da obra do Espírito Santo que podemos ser transformados à imagem de Cristo e viver para a glória de Deus.