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Wendell Lessawendell_lessa@yahoo.com.br

Sociedade do cansaço

Publicado em 10/07/2024 às 19:00.

Embora os quatro textos lidos sejam obviamente escritos para expressar condições específicas e épocas historicamente distintas, todos convergem para um único tema: o “problema” da condição pós-moderna. Essa condição, razão de um espírito de época secular, apesar de apontar para diversos outros detalhamentos, consiste basicamente na perda de narrativas consistentes que fundamentam o real. 

O pós-modernismo se caracteriza por rejeitar os realismos culturais especialmente a partir de seu antirrealismo religioso, oferecendo a possibilidade de “abertura” para novas ideias e estilos, fechando, contudo, todas as comportas do pensamento objetivo. Desse modo, a nova cultura está muito mais afeita a seus caprichos narcísicos do que a fórmulas sociais consensuais. Na analogia de Terry Eagleton, “não há o que espiar nem escavar”. 

Tanto Byung-Chul Han quanto Lasch e Smith apresentam um mundo “desencantado” com sua realidade última, onde não é possível “espiar nem escavar”. Não há sequer a noção de secularismo. O que é há, de fato, é um “assombro”. Vivemos em uma sociedade “assombrada” por seus fantasmas. Não existe uma intencional negação do sagrado, mas uma indiferença psíquica para com a presença do religioso. A religião, especialmente cristã, não é pressuposta como fundamento, mas encarada, quando muito, como opção psicológica do indivíduo. A fé está “sobrecarregada”. A sociedade se cansou até mesmo da fé. Crer em algo não parece ser tão necessário. O que importa, na verdade, é “sentir-se bem”. 

Terry Eagleton resumiu bem esse espírito: “As sociedades racionalizadas tendem não só a empobrecer seus recursos simbólicos como a patologizá-los”. De fato, a sociedade pós-moderna é, com razão, patológica. É “a sociedade do cansaço”. É um tipo de sociedade que possui tudo, mas não possui nada. Ela corre para demonstrar desempenho. É uma era de fluidez e de inexperiência, uma vez que experiência é tradição, e tradição é história, reflexão sobre o tempo no tempo. 

Na sociedade atual, o tempo é instantâneo. Não há, pois, tempo para o tempo. Tudo passa rapidamente. Não no sentido expresso pelo salmista para significar nossa temporalidade (Salmo 40.10), mas na emergência fabricada pelas “memórias desnarrativizadas”, que se satisfazem apenas com um amontoado de dados, como uma loja de sucatas, que não dispõe histórias, mas revela, como em cenas pornográficas, a nudez completa, em vez de ocultar a tensão narrativa. Nas palavras de Lasch, “viver o momento é a paixão predominante – viver para si, e não para seus antecessores ou para a posteridade. Estamos perdendo depressa a noção de continuidade histórica”. 

Byung-Chul Han destaca que a nossa atual sociedade é marcada sobretudo pelo desempenho exigido das pessoas em detrimento de uma sociedade moderna, apontada, principalmente, por ser disciplinar. A “abertura” para uma nova cultura provocou a erosão de todas as bases institucionais, a perda de seu caráter disciplinar agregador de indivíduos, e sua consequente “negatividade”. Tornamo-nos a era da “positividade”.

Em uma sociedade disciplinar e caracterizada pela “negatividade”, há limites. A perda é assimilada e torna-se instrumento de aprendizagem e amadurecimento dos indivíduos. Na sociedade de “positividade”, contudo, não há espaços para perdas. Trata-se de uma sociedade do desejo, da cobiça, da realização imediata de prazeres. As pessoas querem porque querem usufruir agora. É a era das escolhas, a “era da autenticidade”. 

E as pessoas não estarão satisfeitas nesse mundo se seus desejos não forem atendidos no exato momento em que eles se manifestam. Nas palavras de Lasch, “a propaganda moderna das mercadorias e da boa vida sancionou a gratificação impulsiva e desobrigou o id de se desculpar por seus desejos ou disfarçar suas proporções excessivas. Mas essa mesma propaganda tornou o fracasso e a derrota insuportáveis”. 

Nossa sociedade é uma sociedade mimada. Muitos são “podres de mimados”. E a razão para a construção desse self é a ruptura com o privatismo e o individualismo e o centramento no narcísico. Uma sociedade com esse espírito produz crise nas instituições familiares, educacionais, políticas e, também, religiosas, porque essas instituições sociais são responsáveis por fornecer os limites dos quereres dos indivíduos. Contudo, em uma sociedade narcisista, o que importa é a adulação, que resulta na vitimização.

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