Mateus 5.14-16 é um texto que transcende épocas, culturas e contextos. As palavras de Jesus, dirigidas aos seus discípulos no Sermão do Monte, são uma convocatória para uma vida que reflete a glória de Deus. “Vocês são a luz do mundo… Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus” (Mateus 5.14,16). Como abordar este texto a partir de uma perspectiva reformada calvinista? A chave está em entender que a luz de Cristo em nós ilumina todas as esferas da vida.
Sob a lente da teologia reformada, Mateus 5.14-16 não é apenas um chamado para uma espiritualidade pessoal; é uma declaração abrangente sobre o impacto da redenção de Cristo em toda a criação. Para a teologia reformada, Cristo é o Senhor de tudo, e não há área da vida que fique fora de seu senhorio.
Quando Jesus afirma que somos “a luz do mundo”, ele declara algo que é verdadeiro por causa da obra transformadora do Espírito Santo. A luz é fruto da presença divina que habita no crente e é intrínseca ao novo nascimento. Essa realidade é profunda porque nos coloca em relação com dois dos grandes temas da reforma calvinista: a soberania de Deus e o conceito de vocação.
A tradição reformada enfatiza que Deus governa sobre tudo com autoridade absoluta. Ele é a fonte de toda luz e, como Calvino coloca em suas “Institutas”, nós somos como espelhos que refletem sua glória. Contudo, um espelho só reflete algo quando está virado para a luz; é Deus quem orienta nosso coração para si. Esta é a soberana iniciativa divina: ele nos chama das trevas para a sua luz admirável (1Pedro 2.9).
Sob esse prisma, a iluminação que oferecemos ao mundo não é algo que podemos gerar por nós mesmos. É Deus quem, por meio de sua graça, opera em nós tanto o querer quanto o realizar (Filipenses 2.13). Como um candeeiro colocado em lugar de destaque, o crente não pode e não deve se esconder. Essa luz, portanto, brilha no lar, no trabalho, na escola, na política e em todas as vocações que Deus nos atribui.
Outro princípio reformado essencial é a ideia de que toda vocação é sagrada. Não apenas o pastor ou o missionário são chamados por Deus; o pedreiro, o advogado, o professor e o artista também são. Ser “a luz do mundo” significa que o impacto do evangelho deve permear nossas profissões, escolhas e ações cotidianas.
Como cristãos reformados, acreditamos que o trabalho é um meio de glorificar a Deus, e é nesse espaço cotidiano que a nossa luz muitas vezes mais brilha. Quando um advogado luta por justiça com integridade, ele está refletindo a luz de Cristo. Quando um professor educa com excelência e dedicação, ele também exalta o Pai celestial. Cada gesto, cada decisão e cada ação podem e devem apontar para Deus.
No entanto, viver como luz em um mundo caído não é tarefa simples. A tradição reformada não ignora a tensão entre o já e o ainda não do Reino de Deus. Enquanto somos chamados para brilhar, estamos em constante conflito com as trevas que ainda habitam o mundo — e, muitas vezes, nossos próprios corações.
No entanto, há esperança, pois a luz não depende de nossa própria força. Como Paulo afirma em 2Coríntios 4.6, é o Deus que disse “Haja luz” que brilha em nossos corações para iluminar o conhecimento da glória de Deus na face de Cristo. Em outras palavras, a luta contra as trevas não é apenas nossa; é Cristo quem garante a vitória.
É aqui que a ética reformada entra em cena. As boas obras mencionadas em Mateus 5.16 não são um fim em si mesmas nem uma forma de conquistar favor diante de Deus. Elas são, antes, o fruto da nossa redenção. Como a confissão de Westminster afirma, as boas obras são os “frutos e evidências de uma fé verdadeira e viva”.
Portanto, as boas obras não têm como objetivo atrair glória para nós, mas para Deus. Quando agimos com amor, justiça e misericórdia, apontamos para a fonte dessa luz. Assim, as nossas obras se tornam um testemunho público da bondade de Deus e um chamado para que outros também glorifiquem o Pai celestial.
No contexto atual, o chamado para ser luz do mundo é mais relevante do que nunca. Vivemos em uma era marcada por polarização, materialismo e um profundo vazio existencial. Nesse cenário, os cristãos têm a oportunidade de apresentar uma alternativa radical: uma vida de propósito centrada em Cristo.