Wendell Lessawendell_lessa@yahoo.com.br

Pacificadores, não pacifistas

Publicado em 24/09/2025 às 19:00.

Num mundo cada vez mais polarizado, violento em palavras e gestos, e marcado por tensões culturais, sociais e políticas, falar sobre paz pode parecer ingênuo ou ineficaz. Muitos veem a busca pela paz como uma espécie de escapismo: uma tentativa de fugir da realidade, de evitar o conflito ou de se omitir diante das injustiças. Nesse cenário, torna-se essencial recuperar a distinção entre duas ideias frequentemente confundidas: o pacificador e o pacifista. Embora pareçam semelhantes, do ponto de vista bíblico-reformado, representam posturas radicalmente distintas diante da vida, da verdade e do sofrimento humano.

No Sermão do Monte, Jesus afirma: “bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5.9). A promessa é nobre, e a responsabilidade é elevada. O pacificador, segundo a Escritura, é alguém ativo, não passivo. Ele não é simplesmente alguém que evita conflitos a qualquer custo, mas alguém que intervém neles com espírito de reconciliação, guiado pela justiça, pela verdade e pelo temor do Senhor. É aquele que constrói pontes, que desfaz inimizades, que busca restaurar relações — mas que nunca sacrifica a verdade no altar da conveniência.

O pacifismo, por outro lado, é uma ideologia que, em muitos de seus desdobramentos contemporâneos, idolatra a harmonia em detrimento da justiça. Ele prega a neutralidade absoluta, o desarmamento de toda forma de resistência e, muitas vezes, a recusa de qualquer julgamento moral firme. Ao buscar uma paz a qualquer custo, o pacifismo frequentemente silencia diante do mal, tolera o intolerável e considera toda oposição como violência. A Bíblia, no entanto, não respalda esse tipo de omissão.

Os profetas do Antigo Testamento são testemunhas disso. Eles confrontaram reis, denunciaram abusos, clamaram por justiça para os pobres e condenaram a falsa paz. Jeremias, por exemplo, repreende os líderes de seu tempo por proclamarem “paz, paz, quando não há paz” (Jr 6.14). A paz verdadeira, nas Escrituras, não é a ausência de tensão, mas a presença de justiça. E a justiça, por vezes, exige confronto, disciplina e separação entre o certo e o errado.

A tradição reformada compreende que o mundo está sob os efeitos da queda, e, portanto, a paz autêntica é sempre fruto da intervenção da graça, e não da boa vontade humana. O pacificador não nega o pecado — ele o enfrenta com misericórdia e verdade. Ele entende que não há reconciliação sem arrependimento, nem comunhão sem verdade. Ele trabalha pela paz porque foi reconciliado com Deus em Cristo, e agora serve como embaixador dessa reconciliação (2Co 5.18). O pacifista, por sua vez, muitas vezes acredita que a paz pode ser alcançada pela suspensão de todo juízo e pela aceitação indiscriminada de todos os posicionamentos, o que, na prática, transforma a paz em indiferença.

A cultura atual, em nome da tolerância, tem se tornado cada vez mais hostil à verdade. Espera-se que o educador seja neutro, que o juiz seja complacente, que o pregador seja inofensivo, e que o cristão seja calado. Nesse ambiente, o pacificador autêntico é um escândalo. Ele não grita, mas fala com firmeza. Ele não se impõe pela força, mas também não se omite por covardia. Ele carrega a cruz, mas não abandona o campo de batalha. Ele busca a paz com todos, mas sabe que a verdade, em muitos casos, trará espada (Mt 10.34).

É necessário dizer que o pacificador, embora seja um agente de reconciliação, é também um guardião da justiça. Em sua família, ele corrige com amor. Na igreja, disciplina com humildade. Na sociedade, age com retidão. Ele não promove paz falsa, mas uma paz fundada no arrependimento, na restauração e na aliança com Deus. Ele conhece o evangelho, e por isso sabe que a cruz de Cristo foi, ao mesmo tempo, um ato de juízo e de graça. O pecado foi condenado, e o pecador foi reconciliado. Essa é a verdadeira paz: fruto de um preço pago, não de um conflito evitado.

Na tradição reformada, o fruto do Espírito não é uma suavidade alienada, mas uma força moldada pelo temor de Deus. O pacificador é alguém que vive no Espírito, e por isso não confunde paciência com conivência, nem mansidão com apatia. Ele busca a paz porque conhece o Príncipe da Paz, e sabe que a paz que excede todo entendimento é dom de Deus, não construção humana.

Vivemos dias em que a confusão entre paz e passividade tem se mostrado perigosa. Ao tentar eliminar toda forma de tensão, o pacifismo acaba permitindo que o mal prospere sem resistência. Ao passo que o pacificador, mesmo sofrendo por buscar a reconciliação, permanece firme no compromisso com a justiça. Como bem ensinou o profeta Isaías, “a obra da justiça será paz, e o efeito da justiça, repouso e segurança para sempre” (Is 32.17).

Compartilhar
Logotipo O NorteLogotipo O Norte
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por