Wendell Lessawendell_lessa@yahoo.com.br

Outubro e a Reforma Protestante

Publicado em 01/10/2025 às 19:00.

Hoje se inicia o mês em que, há mais de quinhentos anos, se deu um dos acontecimentos mais marcantes da história do Ocidente: a Reforma Protestante. Em 31 de outubro de 1517, um monge agostiniano chamado Martinho Lutero afixou 95 teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg, na Alemanha. O gesto, aparentemente acadêmico e limitado ao debate teológico, tornou-se o estopim de uma mudança profunda, não apenas para a Igreja, mas também para a cultura, a educação, a política e a sociedade europeia — com efeitos que ainda ressoam em nossos dias.

O que começou como um chamado à reflexão sobre a prática da venda de indulgências acabou por desencadear uma redescoberta: a centralidade da Bíblia, a dignidade da consciência e a convicção de que a fé cristã deveria ser vivida de modo autêntico e responsável. A Reforma Protestante foi, acima de tudo, um clamor por voltar às fontes — ao Evangelho simples de Jesus Cristo, às Escrituras como norma de fé e prática, à graça de Deus como fundamento da salvação.

Um dos episódios mais lembrados desse período ocorreu em abril de 1521, na Dieta de Worms. Diante do imperador Carlos V e de autoridades eclesiásticas, Lutero foi instado a se retratar de seus escritos. Sua resposta se tornou emblemática: “Estou cativo à Palavra de Deus. Não posso nem quero me retratar, pois não é seguro nem correto agir contra a consciência. Deus me ajude. Amém.”

Aquela cena ilustra a essência da Reforma: a consciência humana, iluminada pelas Escrituras, não pode ser dobrada pelo poder político ou religioso. Essa convicção não foi apenas teológica; lançou sementes para o desenvolvimento da liberdade de consciência, da responsabilidade individual e de uma nova forma de pensar a relação entre fé e sociedade.

A Reforma Protestante não pertence apenas aos protestantes. Sua influência alcançou todos os ramos do cristianismo e, em grande medida, o próprio tecido cultural do Ocidente. A ênfase na educação, com a tradução da Bíblia para o vernáculo, impulsionou a alfabetização de povos inteiros. A música, a arte e a literatura receberam novos impulsos, ao mesmo tempo em que a política e a economia se viram desafiadas por novos conceitos de vocação, trabalho e cidadania.

Mesmo quem discorda dos caminhos que a Reforma tomou não pode negar que dela brotaram contribuições significativas para a liberdade religiosa e para o pensamento crítico. Se hoje valorizamos a possibilidade de crer, duvidar ou até mesmo não crer, devemos em parte essa herança a homens e mulheres que ousaram afirmar que a fé não pode ser imposta, mas deve nascer da convicção pessoal diante de Deus.

É importante reconhecer que a Reforma também dividiu a cristandade e gerou feridas. O diálogo entre católicos, protestantes e ortodoxos, nos últimos séculos, tem buscado aproximar corações e superar incompreensões. Não se trata de apagar a história ou relativizar as diferenças, mas de olhar com honestidade para o que nos separa e, ao mesmo tempo, para aquilo que nos une: a fé em Cristo como centro da mensagem cristã.

Nesse sentido, lembrar a Reforma em pleno século XXI deve ser mais do que repetir slogans do passado. É um convite a refletir sobre a autenticidade de nossa vida espiritual, a responsabilidade de nossas convicções e a necessidade de que a fé se traduza em prática de justiça, misericórdia e amor ao próximo.

No coração da Reforma estão os chamados “cinco solas”: somente a Escritura, somente Cristo, somente a graça, somente a fé, somente a Deus a glória. Esses princípios continuam ecoando como lembrete de que a religião pode perder-se em tradições humanas, mas também pode reencontrar sua força ao voltar ao essencial.

Em um tempo em que tantas vozes disputam nossa atenção, a Reforma nos desafia a redescobrir o poder da Palavra de Deus como fonte de sabedoria e direção. Em uma era de individualismo e consumismo, ela recorda que a vida cristã é chamada a ser simples, centrada em Cristo e comprometida com o próximo. E em meio às polarizações que marcam nossa cultura, ela nos lembra que a consciência, guiada pela verdade, não deve ser vendida nem manipulada.

Celebrar a Reforma em outubro não é apenas olhar para trás, mas perceber que a história ainda fala ao presente. Para católicos, protestantes, ortodoxos e para todos que se interessam pela busca sincera da verdade, esse é um tempo de aprendizado. A coragem de Lutero e de tantos outros não foi a de criar algo novo, mas a de chamar a Igreja de volta ao Evangelho de sempre.

Que este mês seja, portanto, uma oportunidade de lembrar que a fé cristã não é um peso imposto de fora, mas um convite amoroso de Deus, que nos chama a viver de forma íntegra, com consciência cativa à verdade e com amor sincero ao próximo.

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