Vivemos numa época em que o volume de informação disponível é imenso, mas a sabedoria que organiza e aplica esse conhecimento de forma ética e responsável parece cada vez mais escassa. A sociedade contemporânea é marcada por uma velocidade vertiginosa, fragmentação de valores e crise de sentido. Nesse cenário, retomar o valor da leitura — especialmente a leitura formativa e profunda — é mais do que um desafio educacional: é uma urgência cultural.
Ao longo da história, os períodos de maior florescimento intelectual, científico e social estiveram frequentemente ligados ao cultivo da leitura e do conhecimento. O cristianismo, especialmente em sua tradição reformada, sempre valorizou profundamente o ato de ler e pensar. A própria Reforma Protestante, no século XVI, foi um movimento baseado no retorno à Palavra escrita: a Bíblia foi traduzida para as línguas do povo, impressa em massa e distribuída com o propósito de que todos pudessem lê-la, entendê-la e aplicá-la pessoalmente. A leitura, nesse contexto, era vista não apenas como um meio de instrução, mas como um ato de liberdade espiritual e maturidade social.
Sob essa perspectiva, a leitura cristã não se limita a uma devoção individualista ou à repetição de dogmas: ela é um modo de compreender o mundo, de organizar a vida e de construir uma sociedade mais justa, ordenada e esperançosa. A cosmovisão cristã reformada entende que Deus é o Criador e Sustentador de todas as coisas, e que o conhecimento — inclusive o conhecimento humano e cultural — tem sua origem na revelação divina. Ler, refletir e aplicar o conhecimento, portanto, é um ato de mordomia e responsabilidade diante de Deus e dos outros.
É verdade que vivemos em uma sociedade plural e secularizada, na qual diferentes visões de mundo convivem — e, por vezes, colidem. Contudo, é inegável que os fundamentos que sustentaram o Ocidente moderno — como a dignidade da pessoa humana, o valor da educação universal, a proteção da infância, a limitação do poder político e o respeito à verdade — são frutos diretos ou indiretos da visão cristã de mundo. E essa visão foi transmitida por meio de textos, escritos, livros e escolas que surgiram sob a inspiração das Escrituras Sagradas.
A leitura da Bíblia, por exemplo, moldou a consciência de milhões de pessoas em diversos séculos. Ela formou líderes, despertou reformadores, inspirou cientistas e humanistas, e ensinou multidões sobre justiça, perdão, responsabilidade, trabalho e amor ao próximo. Por isso, para além do aspecto religioso, a leitura cristã tem sido um pilar civilizacional. Negligenciá-la ou desprezá-la é, em certa medida, amputar as raízes de uma sociedade que ainda usufrui, mesmo inconscientemente, dos frutos dessa tradição.
Contudo, na cultura atual, há uma tentação crescente de substituir a leitura profunda por fragmentos de informação. Redes sociais, vídeos curtos e algoritmos de recomendação nos acostumam a pensar em fatias, não em sistemas. Leem-se manchetes, mas não se compreendem ideias; compartilham-se opiniões, mas não se examinam fundamentos. Essa superficialidade não é apenas uma falha individual — é um risco coletivo. Uma sociedade incapaz de leitura crítica se torna vulnerável à manipulação ideológica, à intolerância disfarçada de progresso e à desagregação moral.
O conhecimento cristão, portanto, oferece uma contribuição vital à vida pública e cultural. Ele propõe que a verdade existe e pode ser conhecida; que o ser humano, embora caído, é criado à imagem de Deus e, por isso, tem dignidade e valor; que a vida não é um acidente, mas um chamado ao serviço, à virtude e ao bem comum. Essa estrutura moral, que se forma por meio de leitura e reflexão, sustenta sociedades onde o direito não é apenas força, mas justiça; onde a liberdade não é apenas desejo, mas responsabilidade; onde o progresso não é apenas técnico, mas humano.
O reformador João Calvino, por exemplo, insistia que a verdadeira sabedoria consiste no conhecimento de Deus e de nós mesmos. Essa afirmação, que à primeira vista parece teológica demais, é, na verdade, profundamente prática. Quem desconhece a si mesmo — seus limites, paixões, vocações e responsabilidades — viverá em confusão. Quem ignora a Deus e sua ordem para o mundo — expressa tanto na natureza quanto nas Escrituras — construirá uma civilização sem fundamento duradouro.
Por isso, educar para a leitura e o conhecimento cristão é educar para a integridade. Trata-se de formar cidadãos que compreendem o valor do próximo, o peso das palavras, a importância da verdade e o perigo das falsas promessas. Não se trata de impor uma fé a ninguém, mas de reconhecer que uma sociedade bem estruturada precisa de raízes intelectuais e morais, e que essas raízes foram, em larga medida, nutridas pelo cristianismo histórico.