Vivemos tempos em que a instituição da família tem sido diluída por discursos que, sob o pretexto de liberdade e progresso, desconstroem o alicerce de uma das realidades mais antigas, sagradas e necessárias para a existência humana. O lar, outrora compreendido como espaço de amor, discipulado e segurança, tornou-se alvo de relativização, desfiguração e negligência. Frente a esse cenário, os Salmos 127 e 128, em sua beleza poética e profundidade teológica, se levantam como estandartes bíblicos de sabedoria para reafirmar o valor da família tanto para o povo de Deus quanto para a própria ordem social.
O Salmo 127 começa com uma afirmação radicalmente teocêntrica: “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam” (v.1). Essa frase estabelece o princípio basilar da visão reformada da família: Deus é o fundamento da construção do lar. Nenhum esforço humano, por mais bem-intencionado que seja, pode substituir o papel soberano do Senhor na edificação de uma família que glorifique Seu nome. O texto, atribuído a Salomão, ecoa o realismo bíblico sobre os limites da ação humana e a absoluta dependência da graça de Deus em todos os aspectos da vida, inclusive no âmbito doméstico.
O mesmo salmo também aborda o trabalho e os filhos como dádivas divinas. Não é a busca desenfreada por estabilidade econômica que sustenta um lar, mas o contentamento e a bênção de Deus. “Herança do Senhor são os filhos; o fruto do ventre, seu galardão” (v.3). Em contraste com a mentalidade utilitarista e hedonista de nosso tempo — que vê os filhos como um peso, obstáculo ou produto de consumo emocional — o salmista celebra os filhos como herança. Essa linguagem da herança aponta para uma teologia da continuidade do pacto, algo profundamente enraizado na tradição reformada: Deus se revela e cumpre Suas promessas também através das gerações. Ter filhos é participar da aliança divina que se estende de pais a filhos, com responsabilidade de transmitir a fé e os mandamentos do Senhor (cf. Dt 6.6-7).
Já o Salmo 128 expande esse horizonte ao descrever o bem-aventurado que teme ao Senhor e anda em Seus caminhos. Esse temor do Senhor — que não é pavor, mas reverência, confiança e obediência — se traduz em bênçãos concretas: o trabalho frutifica, a esposa é comparada a videira frutífera, os filhos como rebentos de oliveira ao redor da mesa. A imagem de uma mesa rodeada por filhos não é apenas poética; é escatológica e comunitária. O lar temente a Deus é um núcleo onde a vida floresce, onde o alimento é compartilhado, a Palavra é ensinada e a comunhão se torna expressão visível do Reino de Deus.
Na visão reformada, a família não é uma instituição meramente natural, mas uma construção divina com finalidade espiritual: ser um lugar de discipulado, de culto doméstico, de instrução nas Escrituras e de treinamento para o serviço no Reino. Os reformadores, como João Calvino, destacaram o papel do lar como “a primeira igreja”, um espaço onde se cultiva a piedade, o temor a Deus e o amor ao próximo. Por isso, quando uma família é atingida pela graça e vive segundo a Palavra, ela se torna também um sinal visível para a sociedade: um testemunho do que Deus pode fazer por meio de pecadores redimidos e reconciliados com Ele e entre si.
No entanto, os salmos também nos alertam para uma tentação sutil: transformar a família em ídolo. A bênção sobre o lar descrita nos Salmos 127 e 128 é sempre fruto da ação de Deus. A teologia reformada nos ensina que nem todas as famílias serão numerosas ou plenamente estruturadas segundo o ideal terreno, mas mesmo assim podem viver para a glória de Deus. O valor da família não está em sua performance segundo os padrões humanos, mas na graça de Deus que opera em meio à fraqueza e ao quebrantamento. Lares marcados por perdas, divórcios, infertilidade ou adoção também podem ser instrumentos da graça, desde que o Senhor os edifique.
Do ponto de vista social, a estabilidade de uma nação está profundamente conectada à saúde de suas famílias. Isso não é apenas uma tese conservadora, mas um dado verificável na história da civilização. Sociedades que desprezaram o casamento, os vínculos intergeracionais, a autoridade dos pais e o valor da educação doméstica, rapidamente se enfraqueceram moral e institucionalmente. Ao contrário, comunidades que preservaram o lar como centro de formação ética e espiritual resistiram melhor às tempestades ideológicas e culturais.
Portanto, não se trata apenas de “defender a família”, mas de compreendê-la biblicamente, vivê-la piedosamente e proclamá-la profeticamente. O desafio da igreja reformada contemporânea é reencantar o mundo com a beleza do lar cristão: não como uma utopia moralista, mas como uma realidade redentora. Um lugar onde pecadores convivem com graça, onde a disciplina é praticada com amor, e onde Cristo é o centro — não os filhos, o conforto ou o casamento em si.