Wendell Lessawendell_lessa@yahoo.com.br

Intertexto e suas implicações – Epístola de Judas 14-15

Publicado em 08/05/2024 às 19:00.

O que lemos em Judas 14-15 é um tipo de intertexto. A fim de fundamentar seu argumento, Judas insere outro texto – de Enoque –, embora as palavras que lemos são as de Judas. O que queremos dizer é que, se não acreditarmos em Judas, não daremos como verdadeiras as palavras de Enoque. Neste caso, portanto, a inspiração é sobre o texto de Judas, e não sobre o texto de Enoque. 

Contudo, do ponto de vista linguístico, observe que a citação de Judas é colocada entre aspas. Trata-se de uma citação direta de outro texto. Ele toma para si a ideia de outro a fim de fundamentar seu próprio argumento. Fazemos isso o tempo todo. Até mesmo em nossas conversas informais costumamos autenticar nossas falas com as falas de outros: “Não é isso, fulano?”. Esse é o argumento de autoridade. Ele é um tipo de intertexto. São vários outros tipos de intertextos. Nesta aula falaremos introdutoriamente um pouco mais sobre esse tema. 

De modo geral, como mencionamos, intertextualidade é definida como “textos entre textos”. Esse conceito nasce sobretudo da interpretação dialógica da linguagem defendida por Michael Bakhtin (1895 – 1975). De acordo com Bakhtin, a linguagem serve não apenas para comunicação, mas para interação. Ela é dinamizada pela interação entre as pessoas. E essa interação se processa continuamente por meio da junção de vários textos que se relacionam e constroem juntos todo um contexto ideológico. 

Julia Kristeva, que é intérprete da teoria bakhtiniana, registra o que se entende por intertextualidade na teoria dialógica: “Todo texto se constrói como um mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto”. Portanto, a intertextualidade é uma transposição de um sistema de signos para outro. Trata-se de uma apropriação individual do que é coletivo. Trata-se de um sistema de trocas simbólicas. 

Desse modo, todas as palavras se abrem para as palavras uns dos outros. Não há ineditismo, portanto, no que se fala. Nossos pensamentos são resultado de um amálgama de pensamentos de outros. Todos nós produzimos sobre o que outros já disseram – de um ou de outro modo. Interpretamos o que outros interpretaram com nossos óculos e, a partir de uma perspectiva aparentemente única, produzimos nosso próprio texto.

Esse caráter polifônico da linguagem pode ser considerado como uma consequência da diversidade criacional. O próprio Deus não criou todas as coisas iguais, mas distintas. Não apenas distintas depois de criadas, mas até mesmo com matérias-primas distintas: no caso do homem (adam), por exemplo, criado do pó da terra (adamah)– distintamente de outros seres. 

Gérard Genette (1930 – 2018), crítico literário francês, foi quem apresentou um conceito mais restrito de intertextualidade. Em sua obra Palimpsestos, Genette defende as seguintes categorias para distinguir as relações transtextuais: 

1.Intertextualidade: relação de co-presença entre dois ou vários textos, a presença efetiva de um texto em um outro. Essas relações acontecem de três formas distintas:
a)Citação: forma mais direta e explícita de intertextualidade. A citação pode ser direta (com aspas e referência precisa) ou indireta (como uma paráfrase, por exemplo, com referência à autoria).

b)Plágio: é um tipo de “empréstimo não declarado”. É a apropriação indébita do pensamento de certo autor. Não é uma citação “autorizada”.

c)Alusão: é um tipo de enunciado cuja compreensão plena supõe a percepção de certa relação entre ele e outro.

2.Paratexto: relação, menos explícita e mais distante da obra, constituída pelo conjunto apresentado em uma obra literária como, por exemplo: o título, o subtítulo, intertítulos, prefácios, posfácios, advertências, prólogos; notas marginais, de rodapé, de fim de texto, epígrafes; ilustrações; errata, orelha, capa, e tantos outros tipos de sinais acessórios, autógrafos ou alógrafos, “que fornecem ao texto um aparato (variável) e por vezes um comentário, oficial ou oficioso, do qual o leitor, o mais purista e o menos vocacionado à erudição externa, nem sempre pode dispor tão facilmente como desejaria ou pretende”.

3.Metatextualidade: chamado também de “transcendência textual”. É a relação – comentário – que une um texto a outro do qual ele fala, sem necessariamente citá-lo; em último caso, até mesmo, sem nomeá-lo. É uma relação crítica. 

4.Hipertextualidade: toda relação que une um texto B (hipertexto) a um texto A (hipotexto), do qual ele brota de uma forma que não é a do comentário. Ainda que B não fale nada de A, ele não poderia existir da forma que existe sem A, uma vez que ele evoca manifestadamente A, ainda que sem citá-lo. 

5.Arquitextualidade: trata-se de uma relação silenciosa, de caráter puramente taxonômico, determinando o status genérico de um texto (poema, narrativa etc.). 

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