Wendell Lessawendell_lessa@yahoo.com.br

Entre o altar e o trono

Publicado em 19/03/2025 às 19:00.

Na carta à igreja de Pérgamo, descrita em Apocalipse 2.12-17, o apóstolo João relata as palavras de Cristo dirigidas a uma comunidade cristã que vivia em meio a desafios políticos e espirituais intensos. A cidade de Pérgamo era um centro político e religioso significativo na Ásia Menor, conhecida por seus templos dedicados ao culto imperial e a diversas divindades pagãs. Nesse contexto, a igreja foi advertida por Cristo sobre o perigo de sincretismo e sobre a necessidade de manter a pureza da fé. Essa mensagem ressoa até hoje, especialmente ao refletirmos sobre como os cristãos contemporâneos podem diferenciar o culto genuíno a Deus das influências políticas e estatais.

Pérgamo era uma cidade marcada pelo poder e pela influência imperial. O altar de Zeus, conhecido como “o trono de Satanás” (Ap 2.13), simbolizava não apenas a idolatria religiosa, mas também a tentativa do Estado de assumir uma posição divina na vida social. A adoração ao imperador era obrigatória e servia como ferramenta de controle político, criando tensões para aqueles que professavam lealdade exclusiva a Cristo.

Nesse ambiente hostil, a igreja de Pérgamo foi elogiada por manter-se fiel ao nome de Jesus, mesmo diante da perseguição e da morte de Antipas, mencionado como “minha fiel testemunha” (Ap 2.13). No entanto, Cristo também repreende essa igreja por tolerar influências nocivas, como a doutrina dos nicolaítas e a prática da imoralidade, refletindo uma mistura perigosa entre culto cristão e valores pagãos.

O pensamento reformado, especialmente por meio da contribuição de teólogos como Abraham Kuyper, enfatiza a soberania das esferas. Essa doutrina afirma que Deus delegou às diversas áreas da vida (família, educação, governo, igreja etc.) uma autoridade própria, que não deve ser invadida por outra esfera. O governo civil tem a função de manter a ordem, proteger os direitos e garantir a justiça, mas não deve interferir na liberdade do culto ou nos assuntos doutrinários da igreja.

A experiência de Pérgamo ilustra os perigos de quando essa separação é negligenciada. Ao permitir que a idolatria e os valores do Estado invadissem sua prática religiosa, a igreja de Pérgamo correu o risco de comprometer sua fidelidade a Cristo. De forma semelhante, hoje, quando igrejas adotam uma postura que mistura interesses políticos com o culto a Deus, ocorre um desvio perigoso. Essa confusão pode manifestar-se tanto em alianças excessivas com poderes políticos quanto em uma dependência injustificada do Estado para legitimar sua prática espiritual.

Nos tempos atuais, muitos cristãos enfrentam o dilema de como se posicionar diante das pressões políticas e culturais. O perigo de sincretismo permanece: igrejas podem ser tentadas a adaptar sua mensagem para agradar autoridades ou movimentos sociais. Em outros casos, pode surgir uma tentação de tornar-se dependente do apoio financeiro ou institucional do Estado, comprometendo sua independência profética.

A mensagem de Cristo à igreja de Pérgamo oferece uma advertência clara: a fidelidade à Palavra de Deus deve ser priorizada acima de qualquer aliança política ou pressão social. Isso exige discernimento para reconhecer as fronteiras entre a missão da igreja e o papel do Estado.

Para que os cristãos contemporâneos evitem cair nos mesmos erros da igreja de Pérgamo, é necessário observar algumas diretrizes: a) centralidade na Palavra: O culto genuíno a Deus deve ser fundamentado na Escritura, sem concessões a discursos ideológicos que distorçam sua mensagem; b) independência profética: A igreja deve manter sua capacidade de denunciar as injustiças e corrupções políticas, sem se deixar instrumentalizar por agendas partidárias; c) fidelidade doutrinária: Assim como Cristo advertiu contra a doutrina de Balaão e dos nicolaítas, hoje é essencial proteger a doutrina cristã de influências seculares que relativizem a verdade bíblica; d) senso de comunidade: Em tempos de pressão social e política, a unidade da igreja e o apoio mútuo são fundamentais para resistir às influências negativas.

A experiência da igreja de Pérgamo nos lembra que a tensão entre a fidelidade a Cristo e as pressões políticas é uma realidade constante para os cristãos. A doutrina reformada da soberania das esferas oferece um modelo valioso para distinguir claramente o papel da igreja e do Estado. Ao manter sua independência e sua fidelidade à Palavra de Deus, a igreja preserva sua missão de proclamar o Evangelho sem contaminação ideológica, sendo assim uma luz genuína no mundo.

A voz de Cristo ainda ressoa: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas” (Ap 2.17). Que essa advertência inspire os crentes de hoje a distinguir entre o altar e o trono, oferecendo a Deus um culto que é, de fato, em espírito e em verdade.

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