Não há nada mais saboroso ao paladar do que uma comida temperada ao nosso gosto, equilibrada. O ethos cristão deve também manter um sábio equilíbrio em seu tempero: “Tudo isto vi nos dias da minha vaidade: há justo que perece na sua justiça, e há ímpio que prolonga os seus dias na sua maldade. Não sejas demasiadamente justo, nem demasiadamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo? Não sejas demasiadamente ímpio, nem sejas louco; por que morrerias fora de teu tempo? Bom é que retenhas isto, e também daquilo não retires a tua mão; porque quem teme a Deus escapa de tudo isso” (Ec 7.15-18).
O equilíbrio na vida cristã é chamado de domínio próprio, que é a capacidade de controlar os nossos desejos mais profundos. Estou chamando de desejo profundo aquele lugar no coração que guarda o que temos de mais ambicionado por nós. Às vezes, o que se revela na superfície é mais fácil de controlar. Você pode conseguir passar a sua vida inteira de casado sem se relacionar fisicamente com outra pessoa além de seu cônjuge. Mas você conseguirá manter-se afastado de relacionamentos emocionais, mentais ou cobiçosos, mantendo a pureza em seu coração? É isso que chamo desejo profundo. Dizer “não” a uma tentação objetiva é mais fácil para alguns, mas dizer “não” a um desejo profundo que só você e Deus conhecem é, por vezes, perturbador.
O domínio próprio é o domínio dos desejos e é uma característica marcante e essencial do ethos de uma pessoa crente e piedosa. Assim como João diz que é impossível alguém se considerar cristão sem demonstrar amor pelo próximo, é também impossível existir um cristão sem domínio de si e de seus desejos profundos. A marca fundamental é a negação de si mesmo e a morte diária para aquilo que nos afasta de Jesus: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me” (Lc 9.23). É simplesmente impossível seguir a Jesus sem controlarmos nossos impulsos.
Uma pessoa com domínio próprio tem discernimento espiritual e uma visão ampla de sua vida. Esse poder de visão e discernimento que recebemos do Espírito Santo é para focar nossa visão míope e opaca das coisas espirituais, convergindo para o lugar certo: a pessoa de Cristo, de quem não podemos tirar os olhos (Hb 12.1-3). Ao recebermos o Espírito, recebemos a restauração da visão e não mais precisamos tatear as coisas para entendê-las. O conhecimento do Espírito vai inundando nossa alma e nossa mente, fazendo-nos consciente do Reino de Deus e sábios para entender as relações que vivemos neste mundo, sejam materiais ou não, visíveis ou invisíveis.
O Espírito Santo nos dá vida e poder, nos convence dos nossos pecados, é a garantia de nossa salvação, é o nosso Consolador. É pela ação do Espírito que somos impelidos a agir em favor do evangelho e controlarmos os nossos desejos, até mesmo os mais profundos. Adquirimos a capacidade para não pecar (Rm 6.1-10 – leia com muita atenção esse trecho e veja especialmente o versículo 10: “ quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus”. O cristão piedoso morreu para o pecado e vive para Cristo).
Jerry Bridges [A Vida Frutífera, Cultura Cristã] afirma que domínio próprio “é o exercício da força interna sob a direção do discernimento, que nos permite fazer, pensar e dizer coisas que agradam a Deus”. William Hendriksen [Gálatas, Cultura Cristã] afirma que uma pessoa que possui discernimento e domínio próprio “vive uma vida profunda. Seus prazeres não são primariamente os dos sentidos, como, por exemplo, os prazeres dos boêmios, mas os da alma. Ele é dominado pelo fervor espiritual e moral. Não é dado aos excessos, mas é moderado, equilibrado, calmo, prudente, firme e sadio. Isso pertence a seus hábitos físicos, morais e físicos”.
O cristão sóbrio e temperado é uma pessoa que tem vigor moral para controlar e refrear suas inclinações e seus impulsos pecaminosos (Gn 39.7-9; 50.15-21). Ele cumpre seus deveres para com Deus (1Tm 2.8), é discreto e ponderado o suficiente para evitar discórdias, divisões, provocar a ira e as maledicências. Você deve estar pensando: uma pessoa assim é perfeita! Não, ela não é perfeita. Mas está prosseguindo para o alvo da perfeita maturidade cristã. Devemos procurar ser maduros e completos, como Tiago nos exortou a ser (1.4).