Entre as bem-aventuranças, que apresentam as atitudes e os valores que Deus abençoa, a declaração encontrada em Mateus 5.10 pode ser uma das mais desafiadoras: “Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus.”
Esse versículo, com seu tom profético e radical, ressoa em tempos de adversidade, mas também exige de nós uma reflexão profunda sobre o que significa ser perseguido por defender valores justos e autênticos em uma sociedade muitas vezes marcada pela indiferença, pela hipocrisia ou pela busca desenfreada por poder. A perseguição, que pode ser compreendida como uma experiência de sofrimento e hostilidade por se manter firme em princípios morais e espirituais, é colocada por Jesus como uma forma de bem-aventurança, ou seja, um caminho de bênçãos.
A ideia de que a perseguição pode ser uma bênção parece, à primeira vista, um paradoxo. Afinal, quem em sã consciência desejaria ser perseguido, injustiçado, ou até mesmo sofrer por fazer o bem? Não seria mais natural pensar que as pessoas que buscam a justiça deveriam ser elogiadas, reconhecidas e, quem sabe, até premiadas? Contudo, as palavras de Jesus nos convidam a olhar para o sofrimento de uma outra forma. Ao invés de vê-lo como um sinal de fracasso ou derrota, ele propõe que a perseguição por causa da justiça seja entendida como uma manifestação da fidelidade a Deus e uma porta aberta para o Reino dos Céus.
Esse convite a enxergar o sofrimento sob uma nova ótica é desconcertante. Vivemos em uma sociedade onde o conforto e a segurança são frequentemente apontados como os maiores bens a serem alcançados. A ideia de que o sofrimento possa ter um valor divino soa, em muitos casos, como algo distante da experiência cotidiana, onde é comum se almejar o sucesso, a popularidade ou a estabilidade como formas de alcançar a felicidade. No entanto, a perspectiva cristã oferece um contraste poderoso, dizendo que aqueles que são perseguidos por causa da justiça estão, de certa forma, mais próximos de viver a verdadeira vida cristã.
A perseguição mencionada por Jesus está diretamente ligada à busca pela justiça. Isso nos leva a uma questão fundamental: o que é a justiça que ele defende? A justiça de que fala Jesus não se refere apenas ao cumprimento das leis, mas a uma justiça profunda, enraizada nos valores do Reino de Deus. Ela é a justiça que se opõe à opressão, ao egoísmo e à exploração dos mais vulneráveis. Ela se manifesta em atos de compaixão, no desejo de promover o bem comum e na coragem de desafiar as injustiças que imperam em uma sociedade.
Ser alguém que se coloca em defesa da justiça muitas vezes exige coragem e ousadia. Quem se propõe a defender os direitos dos oprimidos, a lutar contra a corrupção ou a denunciar abusos, invariavelmente enfrenta resistências. Não são raras as vezes em que aqueles que se levantam por uma causa justa são alvo de críticas, boicotes, calúnias e até mesmo perseguições. Isso ocorre não porque a justiça seja algo intrinsicamente negativo, mas porque, muitas vezes, ela vai contra os interesses estabelecidos e os poderes que lucram com a injustiça.
A perseguição, portanto, não é algo que acontece de forma aleatória. Ela é uma consequência direta da escolha de viver de acordo com valores que desafiam o status quo. Quando alguém se coloca ao lado dos marginalizados ou denuncia práticas que ferem os direitos humanos, essa pessoa, por mais que esteja agindo com integridade, pode ser vista como uma ameaça pelos que se beneficiam do sistema opressor. Nesse sentido, a perseguição torna-se um “selo de autenticidade” para aqueles que, movidos por sua fé e convicções, se recusam a silenciar diante das injustiças.
O sofrimento que acompanha a perseguição por causa da justiça não deve ser minimizado. Não estamos falando de algo leve ou sem dor. Pelo contrário, a experiência do perseguido é frequentemente marcada pela angústia, pela solidão e pela incompreensão. A história está repleta de exemplos de homens e mulheres que, por sua busca incansável pela verdade e pela justiça, enfrentaram grandes adversidades. Quem não se lembra dos mártires cristãos, que, no passado, foram mortos por se manterem firmes em sua fé? Ou dos ativistas dos direitos civis, como Martin Luther King Jr., que pagaram com a própria vida a coragem de lutar contra o racismo?
A perseguição, como descrita no evangelho de Mateus, é uma forma de sofrimento, mas também é um lembrete de que a verdadeira fidelidade a Deus nem sempre é recompensada de forma imediata ou visível. Jesus, ao pronunciar essas palavras, está preparando os seus discípulos para a realidade de que seguir a Deus pode, sim, envolver sacrifícios, perdas e sofrimentos. Contudo, o sofrimento de quem busca a justiça tem um significado profundo: é a identificação com Cristo, que também sofreu por amor aos outros e pela promoção do Reino de Deus.