Wendell Lessawendell_lessa@yahoo.com.br

A prova do arrependimento

Publicado em 04/09/2024 às 19:00.

João Calvino escreveu que “a excomunhão é o ato pelo qual os que são manifestamente imorais, adúlteros, ladrões, assassinos, avarentos, raptores, trapaceiros, briguentos, glutões, beberrões, arruaceiros, perdulários – se não mudarem os seus caminhos depois de advertidos – são, de acordo com o mandamento de Deus, rejeitados pela comunidade dos crentes”.

Há uma questão, entretanto, que precisa ser analisada no processo de excomunhão: definir o que é “prova de arrependimento”. Alguns irmãos entendem que essa “prova” é o deixar de praticar o pecado que ocasionou a pena e passar a praticar o que é correto, seguindo a orientação de Paulo em Efésios 4.28-29: “O que furtava não furte mais; antes trabalhe, fazendo algo de útil com as mãos, para que tenha o que repartir com quem estiver em necessidade. Nenhuma palavra torpe saia da boca de vocês, mas apenas a que for útil para edificar os outros, conforme a necessidade, para que conceda graça aos que a ouvem”. Observe que Paulo claramente substitui uma coisa por outra: trabalho honesto em vez de furto; palavras úteis para edificar em vez de palavras torpes.

Entretanto, há situações em que nem sempre é fácil determinar claramente a “prova de arrependimento”. Imagine um bom rapaz da igreja, líder de mocidade, comprometido, mas que cedeu à tentação e fez sexo com uma jovem da igreja durante um rápido relacionamento. Nada além disso. Ela não ficou grávida, mas o ato se tornou público de alguma maneira e isso manchou o nome do Senhor. Ambos foram disciplinados por admoestações pessoais do pastor, no Conselho e, por ter sido um pecado público, foram apenados com o afastamento da comunhão por certo tempo. Qual seria a “prova de arrependimento” deles? Talvez alguém pense: continuar firmes na igreja. Mas eles eram firmes. Então, devem se casar. Mas se casar seria impor outro problema sobre pessoas que devem definir isso com a própria consciência. Eu creio sinceramente ser difícil definir isso.

Acredito que devemos considerar algumas coisas do nosso coração antes de responder. Primeiro, nós devemos entender que toda conversão – e a “volta” de uma disciplina é uma nova conversão – nos faz admitir nossa miserabilidade e total dependência da graça de Jesus Cristo, ao revivermos nossa podridão e nossa incapacidade de salvar a nós mesmos. “Quanto mais tristeza e inquietação de espírito tivermos no início de nossa conversão, menos tristeza sentiremos depois.” Segundo, devemos perceber o tamanho de nossa alegria no Senhor (Sl 51.12), para verificar se de fato amamos a Deus do modo como ele requer de nós, com todo coração, alma, força e entendimento (Lc 10.27). Terceiro, devemos verificar se verdadeiramente nós sofremos por causa do pecado (Sl 51.2). Há pessoas que simplesmente “sentem muito” por um pecado cometido e não sofrem a dor de terem manchado a honra de Jesus Cristo. Eu creio que essa percepção é uma prova inquestionável de nossa conversão e fé (2Co 13.5). Quarto, nós devemos fugir do pecado e, ao 
mesmo tempo, esforçar-nos para encontrar o caminho reto diante do Senhor. O verdadeiro arrependimento sempre se baseia na diligência. A contrição de quem de fato se arrependeu será visível e objetivamente percebida por toda a igreja.

Há vários outros aspectos que poderíamos trazer aqui sobre a doutrina do arrependimento. Mas eu creio que o melhor resumo é o livro A doutrina do arrependimento, do puritano Thomas Watson. Nele, Watson faz uma síntese belíssima sobre o tema. Ele aponta características do falso arrependimento e a natureza do verdadeiro arrependimento. Lista 16 fortes motivos para se arrepender, suas razões, exortações, provas e a remoção dos empecilhos para o arrependimento. Dentre os inúmeros conselhos evidências que ele nos oferece, quero destacar apenas o aspecto da tristeza que envolve o arrependimento.

Watson afirma que a tristeza demonstrada por quem se arrepende é “uma tristeza do coração”, e não uma tristeza hipócrita no rosto. Essa tristeza não é superficial, mas uma “santa agonia”. Essa tristeza deve ser sincera, grande e fiducial, ou seja, “entrelaçada com a fé”. O sentimento de tristeza em razão de ter cometido pecado contra Deus também deve ser permanente, não é algo apenas específico de um pecado, mas é habitual, constante, não se reduz a algumas lágrimas, mas a uma compreensão profunda de nossa incapacidade e da ofensa que invariavelmente cometemos contra a santidade de Deus. 

Por fim, Watson nos ensina que a tristeza produzida pelo genuíno arrependimento é produzida na mente e no coração, é tanto racional quanto sentimental. Ele escreveu assim: “Há uma tristeza dupla: em primeiro lugar, uma tristeza racional, que é um ato da alma pelo qual ela sente aversão pelo pecado e prefere qualquer tortura a admitir a realidade e a gravidade do pecado; em segundo lugar, há uma tristeza sentimental, que se expressa por muitas lágrimas”.

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