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Wendell Lessawendell_lessa@yahoo.com.br

A guerra invisível: disciplina, obediência e vitória na vida pessoal

Publicado em 29/10/2025 às 19:00.

Vivemos em uma época em que a linguagem da guerra parece fora de lugar. Em nome da paz, da liberdade e do respeito, evitamos metáforas que remetam a combate, disciplina e autoridade. No entanto, enquanto silenciamos a linguagem da luta, muitos continuam vivendo em intensos conflitos — só que internos. Inseguranças persistentes, hábitos destrutivos, vícios, ansiedade, comparações sociais, baixa autoestima e frustração com a própria vida são batalhas reais. A guerra continua, ainda que silenciosa. O campo de batalha é a alma.

O pensador cristão Jim Wilson, em seu livro Principles of War, nos oferece uma perspectiva curiosa: as estratégias da guerra física revelam lições poderosas para a vida pessoal e espiritual. E mesmo que você não se identifique com a linguagem bíblica, não é difícil perceber a profundidade dessa metáfora. Afinal, quem nunca se sentiu travado em uma luta interior, dividido entre o que gostaria de ser e o que de fato tem sido?

Para vencer essa guerra invisível, não basta motivação momentânea ou slogans de autoajuda. A vitória duradoura exige algo que nossa cultura relativista frequentemente despreza: disciplina e obediência. Mas, antes que essas palavras soem como instrumentos de opressão ou rigidez moralista, é importante resgatar seu verdadeiro significado.

Disciplina é a arte de se colocar sob um treinamento que molda o caráter, fortalece a vontade e direciona os afetos. Obediência, por sua vez, não é submissão cega, mas a resposta consciente a uma autoridade confiável e justa — seja um princípio, uma lei moral, um código de conduta, ou, na perspectiva cristã, a Palavra de Deus. A cultura atual, com sua ênfase quase absoluta na autonomia individual e na liberdade emocional, tende a considerar a disciplina como repressão e a obediência como perda de autenticidade. Mas o que dizer, então, das vidas desordenadas, dos impulsos incontroláveis e das decisões desastrosas que brotam justamente da falta dessas virtudes?

A tradição reformada da fé cristã afirma que o ser humano, embora criado à imagem de Deus, está profundamente inclinado à autossuficiência, à fuga da verdade e à justificação de seus próprios desejos. Essa inclinação — chamada de pecado — nos afasta de nossa vocação original de viver em harmonia com Deus, com o próximo e com a criação. Em vez disso, cultivamos paixões desordenadas, nos rendemos à preguiça moral e entregamos as rédeas da alma às emoções mais instáveis. A disciplina, nesse contexto, não é castigo, mas remédio. A obediência, longe de ser um jugo pesado, é caminho de libertação.

É claro que essas ideias desafiam o espírito da época. Carl Trueman, ao analisar a cultura contemporânea, fala sobre o surgimento do “self moderno”, um eu que se define não pela razão ou pela moral, mas pela expressão interior dos sentimentos. Nesse mundo, ser autêntico é ser fiel a si mesmo, mesmo que isso signifique romper com toda forma de tradição, estrutura ou autoridade. Richard Rieff, por sua vez, já alertava décadas atrás para a formação de uma “sociedade terapêutica”, onde o objetivo não é mais formar cidadãos morais, mas indivíduos emocionalmente confortáveis, ainda que incoerentes.

Neste cenário, a proposta bíblica parece contraintuitiva: em vez de seguir o coração, somos chamados a examiná-lo; em vez de buscar autonomia absoluta, somos convidados a reconhecer nossa dependência de Deus; em vez de viver pelo impulso, somos desafiados à obediência inteligente. O apóstolo Paulo, escrevendo a cristãos do primeiro século, dizia: “Assim corro também eu, não sem meta; assim luto, não como desferindo golpes no ar. Mas esmurro o meu corpo e o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a outros, eu mesmo não venha a ser desqualificado” (1 Coríntios 9.26–27). Trata-se de uma vida com direção, com propósito, com renúncia.

Mas e quem não compartilha da fé cristã? Ainda assim, a reflexão permanece válida. A vida humana, em sua complexidade, exige uma ética da autodisciplina, da responsabilidade e do compromisso com algo maior do que nossos impulsos. Nenhuma sociedade saudável é construída sobre a permissividade absoluta. Nenhum relacionamento duradouro sobrevive sem renúncia. Nenhuma vocação floresce sem esforço.

Viver é lutar. Essa luta pode ser negada, anestesiada ou enfrentada. Muitos preferem viver distraídos, afogados em entretenimento ou produtividade frenética, fingindo que não há batalha alguma. Mas os que desejam viver com verdade precisam encarar seus inimigos internos: a vaidade, a mentira, o orgulho, a ira, o medo, a cobiça, o desespero. Contra esses inimigos, não bastam slogans, mas armas: convicção, coragem, sabedoria, comunidade e fé.

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