Jonas 1.17 é um texto de transição. Ao mesmo tempo em que fecha o capítulo 1 abre o capítulo 2. Ele é um texto-chave no livro de Jonas e em toda a Escritura. Há várias razões para crermos em sua especialidade. Vejamos três dessas razões.
A primeira tem a ver com o seu caráter espetacular, miraculoso, afinal não é todo dia que lemos sobre um homem ser engolido por um peixe no mar, embora tenhamos exemplos além de Jonas na história. Não discutirei aqui questões relativas às possíveis espécies de peixe que poderiam engolir um homem, como o cachalote, o maior dos cetáceos com dentes, medindo mais de 20 metros, e capaz de comer outros animais grandes, como lulas-gigantes, polvos e tubarões. Não me interessa também discutir ou provar a possibilidade de um homem sobreviver a um evento caótico como esse. Se nós cremos na existência e no poder de Deus que criou todas as coisas a partir de nenhuma matéria existente, creremos também nessa história. Se nós cremos que Jesus Cristo ressuscitou de entre os mortos ao terceiro dia, também creremos na história de Jonas. Esse é um mistério de Deus. E, como afirmou João Calvino, “a razão humana é totalmente incapaz de provar os mistérios de Deus, e é embotada, em si mesma, da sagacidade humana. Declaro, portanto
, que a humildade é o começo da verdadeira sabedoria, a qual elimina o entendimento carnal de todos nós, para que a fé adquira reverência pelos mistérios de Deus”.
A segunda razão é seu caráter profético e evangélico: Jesus Cristo citou esse versículo ao argumentar contra alguns escribas e fariseus que o abordaram maliciosamente pedindo-lhe algum sinal de que ele era o Filho de Deus. Jesus disse: “Uma geração má e adúltera pede um sinal; mas nenhum sinal lhe será dado, senão o do profeta Jonas. Porque assim como esteve Jonas três dias e três noites no ventre do grande peixe, assim o Filho do Homem estará três dias e três noites no coração da terra. Ninivitas se levantarão, no Juízo, com esta geração e a condenarão; porque se arrependeram com a pregação de Jonas. E eis aqui está quem é maior que Jonas” (Mt 12.39-41). Ao citar o texto de Jonas quase que literalmente, Jesus, que é Deus e não mente, estava atestando a veracidade da história de Jonas e, ao mesmo tempo, revelando que a Bíblia está totalmente conectada em seus temas e possui um fio condutor, uma história única, um tema central que aponta para ele mesmo, Jesus Cristo, o “Santo, Santo, Santo, é o Senhor Deus, o
Todo-Poderoso, que era, e que é, e que há de vir” (Ap 4.8), aquele que é “Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder; porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas” (Ap 4.11).
A terceira razão da especialidade desse versículo é o seu tema imediato: exaltar a graça triunfante de Deus sobre a desobediência humana e confirmar que a providência secreta do Senhor continua operando em todos os detalhes de nossa vida, até mesmo em nossas decisões pecaminosas. Jonas tentou fugir do Senhor. Mas Deus o encontrou por sua providência.
A curiosidade está no método divino:
O texto nos diz que “o SENHOR ordenou que um grande peixe tragasse a Jonas”. Os métodos divinos não são os nossos métodos. Por isso o profeta Isaías disse: “Porque os meus pensamentos não são os pensamentos de vocês, e os caminhos de vocês não são os meus caminhos”, diz o Senhor. “Porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim os meus caminhos são mais altos do que os seus caminhos, e os meus pensamentos são mais altos do que os pensamentos de vocês” (Is 55.8-9). Deus tem os seus métodos. E eles nos surpreendem.
Deus surpreendeu Noé ao ordenar que ele construísse uma arca para abrigar sua família de um dilúvio, quando não havia chuva sobre a terra. Deus surpreendeu Abraão ao exigir que ele sacrificasse Isaque, seu amado filho da promessa. Deus surpreendeu Jacó ao exigir que ele trabalhasse por anos para Labão a fim de construir sua família. Deus surpreendeu José ao permitir que ele fosse vendido como escravo, que fosse preso e depois de 13 anos, como governador do Egisto, livrasse sua família da morte pela fome. Deus surpreendeu Boaz ao colocar Rute em seu caminho e fazer descender dela o rei Davi. Deus surpreendeu José e Maria ao informá-los acerca do nascimento sobrenatural de Jesus Cristo. Deus nos surpreende, porque os seus caminhos não são os nossos caminhos.
A Confissão de Fé de Westminster, ao nos ensinar acerca da providência secreta de Deus, nos diz que “III. Na sua providência ordinária, Deus emprega meios; todavia, ele é livre para operar sem eles, sobre eles ou contra eles, segundo o seu arbítrio”.
Em Jonas 1.17, vemos a providência de Deus em ação. Ele está operando um grande milagre para o cumprimento de seu propósito. Jonas não quer salvar os ninivitas. Mas Deus quer salvar tanto os ninivitas quanto Jonas. O grande peixe é o meio de graça que Deus usa para resgatar Jonas da morte. Jonas queria morrer. Deus quer preservá-lo vivo. Jonas quis fugir do Senhor. Deus quis encontrá-lo.