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A adicção e a esperança que vem do alto

Publicado em 11/06/2025 às 19:00.

O ser humano, ao mesmo tempo em que se proclama livre, encontra-se aprisionado de múltiplas maneiras. Entre as mais dolorosas dessas prisões, está a adicção — um termo que designa qualquer forma de compulsão ou dependência que domine o coração, a mente e o corpo. Seja ela química (como álcool, drogas ou medicamentos), comportamental (como pornografia, jogos, redes sociais ou compras), ou mesmo emocional (como a necessidade constante de aprovação), a adicção expõe a fragilidade humana diante de desejos desordenados. E mais: ela revela uma sede interior que o mundo moderno tenta saciar, mas não consegue.

O termo adicção vem do latim addictus, que significava originalmente um devedor entregue como escravo ao credor. A imagem é forte: a pessoa adicta não é apenas alguém que faz escolhas erradas — é alguém que se vê cativa de forças que a arrastam, contra sua própria vontade, para longe do bem, da saúde e, muitas vezes, da dignidade. A cultura contemporânea, com seu apelo ao consumo instantâneo, à gratificação imediata e à autonomia irrestrita, fornece um terreno fértil para esse tipo de escravidão. A liberdade prometida pelo hedonismo se converte, ironicamente, em cativeiro.

Do ponto de vista bíblico, a adicção é mais do que um problema clínico ou social: ela é um sintoma espiritual. O apóstolo Paulo, em Romanos 6.16, declara: “Não sabeis que daquele a quem vos ofereceis como servos para obediência, desse mesmo sois servos a quem obedeceis?” A adicção, sob essa luz, é uma forma moderna de idolatria — o coração buscando em algo criado (substâncias, experiências, sensações ou pessoas) o sentido, a segurança e o consolo que só o Criador pode oferecer. A Escritura Sagrada identifica o coração humano como fábrica de ídolos (cf. Ez 14.3), e a adicção é uma manifestação vívida desse desvio de adoração.

Mas a Bíblia não apenas diagnostica: ela oferece cura. E essa cura não começa com força de vontade ou promessas humanas, mas com um encontro com a graça transformadora de Deus. A perspectiva reformada reconhece que, por causa do pecado, o ser humano está espiritualmente morto (Ef 2.1) e, portanto, incapaz de libertar-se por si mesmo. Mas o evangelho de Jesus Cristo proclama que há libertação possível, porque há um Redentor vivo. “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (Jo 8.36).

O primeiro passo na direção da cura é o reconhecimento da escravidão. A cultura moderna, frequentemente, suaviza a gravidade da adicção com discursos de “autenticidade” ou “liberdade de escolha”. Contudo, a Palavra de Deus nos chama ao arrependimento: reconhecer que a adicção é uma falsa fonte de salvação e retornar ao Deus que é o verdadeiro libertador. O Salmo 107 nos oferece uma narrativa de restauração: “clamaram ao Senhor na sua angústia, e ele os livrou das suas tribulações... quebrou as portas de bronze e despedaçou as trancas de ferro” (Sl 107.13-16). A restauração começa com um clamor humilde — não com promessas, mas com rendição.

Em segundo lugar, a Escritura oferece um novo centro para o coração humano. A adicção tem raízes no vazio existencial e na busca de sentido. Cristo, porém, é o pão da vida (Jo 6.35), a água que sacia eternamente (Jo 4.14), a luz que dissipa as trevas (Jo 8.12). Quando ele se torna o tesouro do coração, os falsos deuses perdem seu poder. Essa é a chave espiritual para a recuperação: a substituição do desejo desordenado por uma paixão mais gloriosa. Como escreveu Thomas Chalmers, pastor presbiteriano do século XIX, “o poder expulsivo de um novo afeto” é o que liberta o coração.

Contudo, essa renovação não acontece de forma isolada. A Igreja de Cristo é chamada a ser comunidade de cura — não um tribunal que julga, mas um corpo que acolhe, sustenta e disciplina em amor. Em Gálatas 6.1-2, Paulo exorta os cristãos a restaurarem com mansidão os que caíram e a levarem as cargas uns dos outros. A batalha contra a adicção não é solitária: ela requer comunhão, discipulado, oração e prestação de contas. Grupos de apoio cristãos, aconselhamento bíblico e o acompanhamento pastoral são instrumentos da graça de Deus nesse processo.

Adicionalmente, a visão reformada da providência de Deus nos ensina que mesmo os maiores fracassos podem ser usados para conduzir à maturidade espiritual. João Calvino afirmava que “nada acontece por acaso, mas tudo está sob o governo de Deus”. Assim, uma história marcada por adicções e recaídas não é automaticamente uma história perdida. Em Cristo, há recomeços. Há redenção. Há novo nascimento. O sofrimento causado pela adicção pode tornar-se, pela graça, uma porta para a vida.

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