Sarah SanchesMãe, empresária, escritora, fotógrafa e barista

O nome da rua

Publicado em 19/05/2023 às 22:14.

Não se podia duvidar do calor que fazia na cidade em pleno janeiro. Sem chuva, sem espelhos d’água, o que restava era admirar com surpresa onde, ainda que por insistência, permanência verde. Tudo que eu podia botar os olhos era escandalosamente amarelo.

Me apaixonei primeiro pelos ladrilhos. Achava que eles brilhavam apesar de tudo. Se enluaravam e reluziam quando a noite caia e também por brilhar como agora, em pleno sol a pino. Eram duros, ásperos, pontiagudos. Podiam esconder detritos. Derrubar pessoas…

Mas brilhavam.

O amarelo logo se tornou um manto negro, engolindo a cidade que respondia com mais calor ainda. Os cafés que ali eram servidos, muito mais cheios de poesia do que de sabor, eram a oportunidade perfeita para observar humildemente como o entardecer tocava de forma diferente cada ser.

Toda vida ao entorno daquele canto me encantava. O suor escorria na testa e logo era apenas lembrança da sensação, mostrando os mistérios de estar em uma das únicas encruzilhadas que ventam em todo centro.

A rua cheia, a lua baixa…

Tantos lugares antes ocupados apenas pelo silêncio sútil dos não esperados: cães, um gato que passa esgueirando entre os muros; os homens invisíveis. E agora essa festa. 

Os becos, cheios de personalidades descritas em frases, assinaturas, telefones e endereços que não existem mais. A marginalidade e o cheiro característicos dessas ruas escuras não foram suficientes para borrar a imagem que se mostra além da primeira impressão. A história é sempre maior do que o presente que dura tão pouco.

E as minhas eram cheias de música, álcool, um cheiro de comida quente, um pouco de fumaça e deixavam sempre uma ânsia saudosa de estar exatamente onde se deveria. Embora ainda faça muito calor. Nessa etapa da noite tudo se encontrava misturado.

Mulheres dançavam abraçadas, amigos de longa data ou de antes de ontem se davam as mãos e cantavam e eu podia ver nos olhos do cantor toda a insegurança por aquele público que eu julguei erroneamente tão parco. Toda plateia tem seu valor, aprendi isso essa noite.

Do outro lado, quase que como eu a observar o cortejo, mirava a amargura de 100 anos travestida na figura de mulher. E assim a guerra estava armada.

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