Sarah SanchesMãe, empresária, escritora, fotógrafa e barista

Ensaio sobre a Tempestade

Publicado em 24/08/2023 às 18:00.

Deitada num colchão na varanda, tive a primeira impressão de união: Olhei para o céu. O céu demonstrava tudo, bastava que o olhássemos. Era infinita a sua dor (a dor é sempre do mesmo tamanho do ser). Dava para ver todos os seus roxos e vermelhos. Todos os azuis noturnos. Pude me lembrar que mais tarde choveu. Foi quando tive a segunda impressão: que eram minhas aquelas lágrimas. Frias e Turvas. Era a nossa comunhão, o nosso elo. Eu era céu também. Com todos os roxos e vermelhos, com todos os sangramentos e hematomas. Ele chorava para que eu não chorasse.

Os relâmpagos, trovões... Tão bonitos. Tão fortes e tão rápidos. Me faziam pensar que até mesmo nos acessos de raiva que se davam por dentro – e agora por fora - havia de se encontrar beleza. A fúria, a tragédia, o desapontamento, que de forma tão ríspida se estabelecia em mim e passava. Acho bonito. A consciência da raiva faz com que ela perca o sentido. 

O que pensariam? Eu não pude e não tive e acho que eu não conseguirei me arrepender do que fiz. Dos meus atos. Do meu corpo. Há muito me fiz fiel ao que meu corpo sente, ao que ele fala, princípios da minha alma. Quem se arrepende é a minha cabeça, a minha moral. Emoções e sentimentos não podem se arrepender, foram proibidos logo que nasceram.

Alma e corpo não são iguais, sequer se parecem. São interligados porque são partes um do outro. Alma é livre, pode estar em qualquer lugar enquanto o corpo assiste ao cair da garoa. Corpo é limitado a presença. É o corpo quem sente com os prazeres da alma: Os livros, as flores, caminhar pela mata, tomar sorvete. É tudo do corpo. Deveras a alma engrandece, mas seus desejos são feitos através dele. São ambos, instrumentos de si e do outro.

Eu não era como o céu. Escondia meus ferimentos por vergonha de possuí-los. Seria mostrar-me fraca perante o infinito azul e vermelho acima dos meus sentimentos. Eu sou mortal. Sofro. Ninguém era capaz de notar o meu sofrimento por detrás das vestimentas e portes tão alegre. Todos eram só-risos acompanhados. Eu era metade da fantasia, misturada à outra metade do veneno.

Meus olhos descansavam acalentados na tristeza do céu. Nos compreendíamos. Nos amávamos. Agora era as minhas lágrimas que eram a tempestade dele.

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