Eu vou publicar no jornal nossa história de amor e te encantar com minha voz cantando no chuveiro músicas que nunca te dediquei.
Vou usar suas roupas, seus chinelos (mesmo que grandes) e seu corpo como se fossem meus, como se já os conhecesse de uma vida toda. Como se eu os tivesse feito com minhas próprias mãos, riscado o molde, cortado o tecido de sua carne, costurado e preenchido pra formar o que você chama de eu. Um eu cheio de pintas escuras e sinais do tempo, problemas mal resolvidos e dinheiro mal gasto. Quantas constelações cabem no manto do seu corpo? Quais signos se formam pra justificar nosso destino?
Penso nisso várias horas do dia, concluindo e voltando atrás, ponderando pra depois ser impulsiva e deixar que tudo queime junto com aquelas cartas de amor que eu já deveria ter jogado fora. Tenho vergonha de lê-las, mas falta coragem de jogá-las fora.
Vão ficando na gaveta do lado da cama (a gaveta que as vezes o controle se esconde). Não parecem comigo, mas guardam alguém que um dia eu fui e deixei passar.
Tanta coisa foi embora assim. Passando como os rios passam, como passam os dias, como você também passou. Não sem antes sacudir tudo, jogar tudo pra cima, me chamar por outro nome e depois rir de tudo, como se tudo não passasse de um mero lapso, um engano ou um truque que eu não entendesse o propósito.
Você passou por mim e eu não pude resistir.
Mas também, não pude perdoar. Te senti sair pelas pontas dos dedos, passar a tranca da chave, pegar de volta o controle e depois já não havia mais nada. Eu me sentia tão sozinha quanto qualquer um desses dias ensolarados que eu tanto amo.
Você reinventou a primavera só para fazer de mim o seu jardim particular de flores de plástico regadas com sangue e lágrimas. Me podou para que eu crescesse mais forte. Fez com que minhas raizes crescessem fortes e se estendessem em sua volta.
Chove lá fora. Minhas pernas já haviam anunciado logo nos primeiros raios de sol que hoje seria cansativo, dolorido e chuvoso. Molhado. As plantas ficam agradecidas mas eu escorro. Chove dentro e fora. Fino e gelado. Você não está aqui.