Vanessa AraújoJornalista, especialista em cinema e linguagem audiovisual

Reacendendo a chama

Publicado em 06/03/2025 às 19:00.

Há muito tempo não se via o brasileiro reunido em uma única vibração por um prêmio. Desde a derrota do Brasil na Copa de 2014, naquele inesquecível 7 a 1 contra a Alemanha, a alegria nacional parecia somente se esvair, marcando um período em que a frustração e o desânimo ofuscaram momentos que outrora despertavam esperança e união. Contudo, no último domingo, essa chama se reacendeu surpreendentemente. As ruas, as casas e as redes sociais se encheram de entusiasmo e orgulho ao celebrar a vitória de “Ainda Estou Aqui” na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar, a maior premiação do cinema mundial — sem nos aprofundarmos na complexa discussão sobre a indústria e seus múltiplos significados.

Embora muitos tenham depositado suas esperanças na consagrada Fernanda Torres, na disputa pelo prêmio de Melhor Atriz — uma escolha que remete à lembrança do que se acredita ter sido injustiçado, como aconteceu com Fernanda Montenegro —, o triunfo histórico do cinema nacional proporcionou um sentimento de pertencimento e orgulho que há muito não se experimentava em nossa cultura. Essa vitória não é apenas uma conquista pontual; ela simboliza a retomada de uma narrativa que parecia ter sido interrompida pelos percalços do passado.

A história do Brasil no Oscar é, por si só, uma narrativa repleta de lutas, desafios e muitas frustrações. Desde O Pagador de Promessas (1963), o primeiro filme brasileiro a concorrer ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro (atual Melhor Filme Internacional), passando por Central do Brasil (1999) e Cidade de Deus (2004) — que surpreendeu o mundo ao receber quatro indicações, inclusive para Melhor Direção com Fernando Meirelles —, os caminhos trilhados pelo cinema nacional foram marcados por grandes expectativas e, muitas vezes, por desilusões. Durante décadas, a vitória plena no Oscar parecia um sonho distante, um objetivo que fugia da realidade de uma indústria em constante batalha por reconhecimento.

Mesmo quando adentramos o palco dessa premiação, a sensação de que a conquista não nos pertencia integralmente sempre pairava no ar. Um dos casos mais emblemáticos é o de Orfeu Negro (1959), vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Apesar de ser uma obra integralmente em português, gravada em solo brasileiro, com um elenco composto por atores nacionais e baseada na poesia de Vinícius de Moraes, a estatueta foi direcionada à França, graças à influência da produtora majoritária envolvida. Essa situação revela as complexas relações de produção, financiamento e distribuição no cinema internacional, deixando um gosto agridoce: como pode algo tão intrinsecamente brasileiro acabar, no fim das contas, pertencendo a outra nação?

Porém, “Ainda Estou Aqui” vai além da simples premiação. Representa um verdadeiro resgate cultural, uma reafirmação de que nossas histórias podem — e devem — ser contadas por nós mesmos, sem intermediários que diluam nossa identidade. Além do enredo, a vitória de “Ainda Estou Aqui” ressalta a força de um cinema que, por tanto tempo, foi relegado a um papel secundário na narrativa global. Durante anos, fomos meros coadjuvantes de uma festa na qual nossa participação era permitida, mas na qual a vitória sempre parecia distante ou incompleta. Hoje, essa realidade se transforma: o reconhecimento internacional do nosso cinema não é apenas simbólico, mas também um indicativo de que estamos finalmente ocupando o lugar que nos é devido. 

Em um momento em que o Brasil busca reafirmar sua identidade em diversas esferas, essa premiação representa também uma esperança renovada para o futuro do cinema nacional. O caminho percorrido, desde Orfeu Negro até “Ainda Estou Aqui”, revela não só as dificuldades enfrentadas, mas também a resiliência de uma indústria que, mesmo diante dos obstáculos, continua a contar histórias que emocionam e transformam. Essa vitória é, portanto, um convite para continuarmos a sonhar, a lutar e, sobretudo, a celebrar cada conquista como parte de uma trajetória que é, antes de tudo, nossa.

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