Logotipo O Norte
Domingo,24 de Agosto
Vanessa AraújoJornalista, especialista em cinema e linguagem audiovisual

Promessas

Publicado em 21/08/2025 às 19:00.

A felicidade dos jovens já não é mais aquela curva em U clássica – virou quase uma rampa de descida que começa lá pelos 20/30 anos. Desde 2014, a infelicidade cresce, e não só pela pandemia. Hoje a juventude enfrenta crise de sentido, expectativas desencontradas, redes sociais que cobram e pressionam, vida mais cara e trabalho menos promissor. Nos EUA, entre as jovens, uma em nove tem dia ruim diário para a saúde mental; entre os homens jovens, um em 14. O mercado de trabalho, que podia ser resposta, virou parte do problema: a geração Z viu promessas virarem fumaça — aposentadoria, estabilidade, sucesso linear —, largou o modelo tradicional e busca propósito, liberdade e bem-estar. Recusa cargos de liderança, rompe com cultura tóxica, não aceita “carregar a empresa nas costas”.

Já a geração millennial, nascida entre 1981 e 1996, cresceu com a promessa de que a educação seria o passaporte para uma vida melhor. Foi ensinada a estudar, fazer faculdade, conquistar fluência em idiomas e acumular certificados. No entanto, quando chegou a hora de colher os frutos, a realidade brasileira já havia mudado. O país mergulhou em crises sucessivas, o custo de vida disparou, e os empregos estáveis se tornaram raridade. Muitos millennials entraram no mercado no auge da expansão do ensino superior, quando o diploma já não garantia diferencial. O resultado foi uma geração com alta escolaridade, mas enfrentando precarização do trabalho, salários baixos e dificuldade de ascensão.

No início dos anos 2000, quando o Brasil crescia e a classe média se expandia, parecia que o esforço seria recompensado. Mas logo vieram a crise de 2014, a recessão prolongada, a inflação e a instabilidade política. Isso moldou uma geração que carrega dívidas, financiamentos, dificuldade de ascensão e a sensação de ter cumprido a cartilha sem receber o prometido. É uma geração que, em muitos casos, precisou adiar casamento, filhos ou a compra da casa própria porque a renda não acompanhou o aumento do custo de vida. Muitos millennials acabaram virando “sobreviventes econômicos”, equilibrando múltiplos trabalhos e contando com apoio familiar para não desabar.

A diferença central entre millennials e geração Z está na forma de lidar com esse cenário. Enquanto os millennials, em grande parte, engoliram a decepção e permaneceram tentando se adaptar às regras do jogo, a geração Z prefere não jogar. Se os millennials aceitaram longas jornadas e contratos precários em busca de estabilidade futura, os mais jovens já começam rejeitando essa lógica. Não querem repetir a exaustão que viram em irmãos mais velhos ou colegas de trabalho.

No Brasil, essa diferença fica ainda mais evidente. Os millennials foram moldados pelo discurso da meritocracia em tempos de otimismo econômico. A geração Z, ao contrário, se formou em meio à crise, ao desemprego e à tecnologia que escancarou novas possibilidades de renda. Se uma parte dos millennials ainda sonha com carreira linear dentro de empresas tradicionais, os jovens já visualizam múltiplas fontes de renda, trabalhos temporários, economia criativa e até a informalidade como escolha consciente.

Esse choque de mentalidades dentro das empresas gera ruídos, mas também mostra como o mundo do trabalho precisa se reinventar. Empresas que ainda tentam reproduzir a lógica dos anos 1990 — controle rígido, hierarquia inflexível, ausência de diálogo — perdem talentos. Enquanto isso, organizações que entendem que bem-estar, equilíbrio e propósito contam tanto quanto salário conseguem atrair e reter os mais novos.

No fim, tanto millennials quanto geração Z foram atravessados por promessas quebradas, mas de formas diferentes. Os primeiros acreditaram no roteiro clássico e esbarraram em um Brasil que mudou de rumo. Os segundos já nasceram desconfiados e não aceitam um jogo que parece manipulado desde o início. Essa soma de frustrações explica por que a curva da felicidade desabou entre os jovens e reforça que a saúde mental e o trabalho são duas faces do mesmo problema.

Ao que tudo indica, a felicidade volta a crescer depois dos 60, quando a pressão desaparece, vínculos se fortalecem, sentido aparece — e o trabalho deixa de ser medida de valor. Mas será que precisamos esperar até lá? Talvez a resposta esteja em reconhecer que gerações diferentes enfrentam dores diferentes, e que criar espaços de trabalho e de vida mais justos não é luxo: é necessidade para garantir que o futuro não seja apenas sobrevivência, mas também bem-estar.

Compartilhar
E-MAIL:jornalismo@onorte.net
ENDEREÇO:Rua Justino CâmaraCentro - Montes Claros - MGCEP: 39400-010
O Norte© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por