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Terça-Feira,1 de Abril
Vanessa AraújoJornalista, especialista em cinema e linguagem audiovisual

O homem que viu o nascer do mundo

Publicado em 27/03/2025 às 19:00.

Pense num filme que cabe numa sala, sem um tostão pra efeitos especiais, e mesmo assim te pega pelo colarinho e não larga. A cartada da vez é o sci-fi de baixo orçamento chamado O Homem da Terra, de 2007, um filme que consegue te prender por quase duas horas, mexer com suas ideias sobre história, fé e humanidade, e ainda te deixar com aquela vontade de Googlar tudo depois. Pois é, às vezes, o orçamento pequeno é só um detalhe quando a cabeça por trás da obra sabe o que está fazendo.

A história começa com John Oldman, um professor universitário de meia-idade, que resolve, aparentemente do nada, largar tudo e se mudar. Seus colegas, curiosos e um tanto desconfiados, aparecem para uma despedida improvisada. O que era pra ser um bate-papo trivial vira um terremoto intelectual quando John, quase como quem não quer nada, solta a bomba: “E se eu fosse um homem das cavernas que viveu por 14 mil anos?”. A partir daí, o diretor Richard Schenkman e o roteirista Jerome Bixby (famoso por obras como Star Trek e The Twilight Zone) – que, aliás, escreveu isso como seu último ato antes de morrer – transformam uma sala simples num palco onde o tempo, a ciência e a religião entram numa dança fascinante.

O segredo? Não é o que você vê, mas o que você ouve. O filme é puro diálogo, mas não daqueles que te fazem bocejar. Cada fala é um anzol: você morde, é fisgado, e quando percebe, está tentando desvendar se John é um gênio excêntrico ou se, talvez, ele realmente tenha visto o mundo nascer. Ele conta que atravessou séculos, que conheceu figuras históricas, e pode até ter ditado o rumo da história ele mesmo, tamanho o peso das suas afirmações. Os amigos, um time de professores com egos acadêmicos e ceticismo afiado, reagem como reagiríamos: riem, questionam, duvidam, se irritam. E você, do outro lado da tela, vai junto.

Um fato muito interessante é como O Homem da Terra prova que não precisa de milhões pra ser grande. O orçamento? Coisa de 200 mil dólares – troco, se comparado aos blockbusters que explodem cidades por aí. Mas enquanto esses gastam fortunas em CGI, esse aqui investe em ideias. A câmera quase não se mexe, o cenário é uma casa qualquer, e os atores... bem, não são exatamente as maiores estrelas de Hollywood. Ainda assim, funciona. Por quê? Porque o filme confia na imaginação do espectador. Ele te dá as palavras e deixa você pintar o resto: as cavernas de 14 mil anos atrás, as guerras antigas, os olhos de John vendo tudo mudar enquanto ele, teimosamente, não envelhece. E aí vem o pulo do gato: a discussão não é só sobre “será que ele tá falando a verdade?”. É sobre o que acreditamos, como lidamos com o desconhecido, e até onde a ciência e a fé se bicam ou se abraçam – geralmente, muito mais se bicam do que se abraçam. O barato é que o filme não te entrega nada mastigado. John joga umas ideias que bagunçam tudo q
ue você acha que sabe. Solta a bomba no seu colo e deixa você se virar com isso.

E o brilho está nas perguntas que ele deixa no ar. John acha que a gente não muda: troca de roupa, inventa celular, mas continua brigando, julgando, tropeçando nos mesmos erros. Será? Enquanto os colegas brigam sobre ciência, fé e o que é real, você fica ali, coçando o queixo, sentindo o peso de 14 mil anos num papo de pouco mais de uma hora. É como se a cabana virasse um portal, e você, sem querer, começasse a viajar junto.

Não tem câmera dançando, não tem cidade explodindo. É uma sala, uns atores que você, provavelmente, nunca viu, e um monte de palavras que te agarram. O orçamento é de dar pena perto dos gigantes de Hollywood, mas quem liga? O filme te fisga pela cabeça e pelo peito. Quando acaba, você quer chamar alguém pra discutir, puxar o celular e cavar mais fundo. É simples, é quieto, mas te sacode.

O Homem da Terra é prova que história boa não precisa de grana, precisa de fogo. E esse fogo, meu amigo, tá ali, queimando baixo, esperando você acender. Obviamente, ele não é nada novo sob o sol do mundo cinematográfico, os chamados “chamber” ou “bottom moveis”, aqueles que se passam em único ambiente e são sustentados apenas nos diálogos, já possuem uma tradição de longa data. Clássicos como Festim Diábolico (Rope, 1948), do mestre Alfred Hithcock e 12 Homens e Uma Sentença (12 Angry Man, 1957), do igualmente grandioso Sidney Lumet são um convite ao leitor para histórias fascinantes e que prendem o espectador.

O Homem da Terra é a prova viva de que o cinema não vive de dinheiro, mas de histórias. E essa, caro leitor ou leitora, é uma que você precisa conhecer pra crer. Vai lá, procura. Depois me conta o que achou – ou melhor, o que sentiu. 

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