A expansão avassaladora das redes sociais revela um paradoxo estrutural: escoramos nossa sociabilidade em plataformas que fragmentam a empatia, ainda que prometam aproximação. Dados do NIC.Br mostram que, no Brasil, oito em cada dez pessoas usam redes sociais com frequência. Mas a coleta de dados vai muito além do que fornecemos conscientemente — vai para níveis de inferência comportamental, impressão de traços de personalidade e criação de perfis usados em leilões publicitários acelerados em microssegundos. Esse ambiente propício à automação empurrada por interesses mercantis converte a percepção em produto.
Em outra frente, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública reportou que, entre 2021 e o período de janeiro a maio de 2025, as menções a ataques a escolas nas redes cresceram 360% — passando de 44 mil em 2021 para quase 105 mil em 2024, e pouco mais de 88 mil nos cinco primeiros meses de 2025. O motor disso não é apenas o discurso, mas a arquitetura que favorece engajamento agressivo, promovendo “raiva silenciosa” entre jovens e comunidades vulneráveis, em vez de acolhimento.
Adolescentes brasileiros não encontram apoio para lidar com esse cenário. As big techs, ao reduzirem a moderação de conteúdo, priorizam lucro e enfraquecem o espaço digital como ambiente social minimamente seguro. O resultado? Jovens vulneráveis expostos à desinformação, ao ódio e à violência simbólica, enquanto o debate legislativo (como o PL das Fake News) segue emperrado. Não é exagero dizer que não há escuta ou cuidado — e isso fragiliza a base democrática.
Além disso, a dependência digital — termo que já carrega peso clínico — compõe outro vetor desse quadro. Esse padrão de uso excessivo produz isolamento social, insônia, queda na produtividade e impactos estruturais no córtex pré-frontal, peça-chave do autocontrole, como alertam, há tempos, os profissionais da saúde. A comparação constante disponível nas timelines incute insatisfação e agrava quadros de ansiedade e depressão, corroendo o tecido relacional offline.
No entanto, há uma fagulha de autocrítica emergindo entre os jovens. Um relatório citou que adolescentes começam a perceber os efeitos nocivos das redes sobre a própria geração — nos Estados Unidos, 48% dos entrevistados entre 13 e 17 anos enxergam impacto negativo coletivo, ainda que só 14% sintam esses efeitos diretamente em si mesmos. Apesar disso, 44% reduziram seu tempo online e 45% reconhecem passar “tempo demais” nas redes. As meninas são especialmente sensíveis aos efeitos em autoestima, sono e produtividade. Embora o estudo seja americano, o espelho brasileiro não parece distinto.
Isso reflete uma tensão filosófica profunda: suspendemos a reflexão em favor do algoritmo. Somos “onlife” — para usar o termo da consultoria Talk Inc. — uma fusão constante entre o online e o offline, onde conteúdos antigos ressurgem, viralizam como memes, e transformam-se em símbolos coletivos deturpados no looping infinito das timelines. Não estamos online por escolher — somos empurrados por uma lógica que molda nossa subjetividade e percepção de valor.
O desafio então é amplo. Não se trata de proibir, mas de restabelecer o julgamento crítico — aprender a “olhar” antes de curtir ou comentar. Desligar-se voluntariamente não é fuga, é reapropriação da atenção — dos ecos digitais às interações genuínas.
Somos seres que pensam mediatamente, mas nossa cultura digital alimenta o instantâneo. Não há idealização aqui, mas urgência. Se a filosofia e a psicologia alertam, a sociologia confirma: sem suspensão da urgência, viramos fragmentos impulsivos, não sujeitos reflexivos.