Mara Narciso

Umbu com goiaba

Publicado em 08/01/2024 às 19:00.

Uma salada de frutos e flores, sabores e espinhos, assim é a vida. Passa tão veloz que o tempo nos atropela e nos despe da juventude com grande contundência. Essa estrada com curvas ameaçadoras, atropelos e atropelamentos, paradoxalmente é longuíssima. No entanto, olhando para meu passado remoto, ele me vem suave, doce, macio como fruto maduro, colhido no pé, naqueles espaços de brincar que as crianças amadas têm. A casa de meus avós me vem à lembrança como a melhor parte dela. Ficava no centro da cidade a uma quadra da Catedral Metropolitana. Podíamos brincar na rua, nos quintais vizinhos e principalmente naquele que era nosso, lotado de netos de idades semelhantes. Ali havia cachorros, frutos no quintal e rosas no jardim. Os frutos mais disputados como pinhas, eram mimos entregues em mãos pela minha avó Du Narciso, com segredinhos, como se fosse algo apenas para mim. Cada um em seu tempo, ali tivemos abacateiro, mangueira, pinheira, ameixeira, coqueiro, pitombeira e a goiabeira com seu inesquecível doce fei
to por Vovó; mas era o umbuzeiro que se destacava entre todos pela resposta frutífera ao zelo despendido pelo nosso avô Petronilho Narciso.

Montar no tronco forte e potente do umbuzeiro, tombado rente ao chão, como num cavalo era permitido apenas na entressafra, com poucas folhas ou sem elas, em curto período. Depois disso acontecia a renovação verde e em breve a floração com a festa das abelhas, cercando as florezinhas brancas e mimosas; então vinha a frutificação de rebentos pequenos e milagrosos, que cresciam, seguidos pela maturação. Atentos, os netos acompanhavam a metamorfose vegetal. Vovô pedia que evitássemos sacudir o pé, ou parte dele, já que era pesadíssimo. Pegar na árvore o fruto de vez era permitido para comer já, porém devido a imensidão da quantidade produzida, cujo peso fez deitar-se o pé de umbu, éramos incentivados a esperá-lo cair ao chão de onde, na safra, eram recolhidas bacias cheias durante muitas manhãs. Lavados, eram colocados na geladeira, de onde todas as tardes amigos, tios e primos eram convidados à degustação vespertina.

Por ser baixo, uma criança pequena podia colher seu fruto de casca lisa, sem pelo, fina e verde, levemente amarelada de um dos lados quando caía. Dele se extraia, ao sorvê-lo, um sumo doce, ligeiramente ácido e agradável. Junto ao umbuzeiro, um batalhão mais afoito chupava umbu até se fartar. Sua copa ampla e abobadada ocupava um terço do quintal, em simbiose com uma figueira e em seu redor encontrávamo-nos e confraternizávamo-nos em franca difusão de amor familiar. Nós crianças chupávamos umbu até dar “gastura” nos dentes, que ficavam “dando choques”.

Nossos avós partiram, assim, a construção alta, forte, grande, quase uma fortaleza para nós meninos, foi vendida, tornando-se um pensionato, já que possuía seis quartos. Na área do quintal foram construídos novos dormitórios e para isso sacrificaram nosso umbuzeiro, que foi jogado ao chão, definitivamente, em forma de toras, levando em seu cortejo os melhores momentos de alegria da nossa família.

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