Mara Narciso

Transporte gratuito

Publicado em 04/09/2023 às 18:54.

O meu avô materno Petronilho Narciso só viajava de boleia. Todos sabiam da sua exigência de ir no banco da frente e, antes, já lhe cediam o lugar. Em Portugal, boleia é sinônimo de carona, ou seja, a pessoa que viaja sem estar dirigindo.

Costumamos chamar de “banco do carona” aquele que está ao lado do motorista. Em geral, carona é o transporte gratuito e quem viaja nessa condição não opina nem sobre o trajeto e nem sobre o horário, por estar sendo transportado de graça.

Criada em 1969, a Famed – Faculdade de Medicina do Norte de Minas, pertencente à FUNM – Fundação Norte Mineira de Ensino Superior e depois à Unimontes – Universidade Estadual de Montes Claros, passou a funcionar no antigo seminário da Vila Mauricéia, em 1972, num lugar ermo, depois do Bairro Todos os Santos, sem ônibus, com estrada empoeirada. Em 1974 fui estudar lá. Éramos 44 estudantes em nossa turma, dos quais poucos tinham carro.

O ponto de carona para a Famed era no centro da cidade, na chamada “Esquina dos Aflitos”, à Rua Governador Valadares com Viúva Francisco Ribeiro, onde os estudantes chegavam bem antes do horário das aulas. Ficavam debaixo do sol, segurando pesados livros, muitas vezes indo fazer prova. Os motoristas eram acadêmicos ou professores sozinhos, assim todos os carros com o mesmo destino ali paravam, exceto meu pai, Alcides Alves da Cruz, que, quando me levava à faculdade, passava de cara dura sem dar carona sequer uma vez.

Na nossa turma, quem ia todos os dias de carro e, na volta costumava encher o veículo de colegas eram Railton Franklin, Waldeir Barreto e Clédimo Noronha. Railton morreu recentemente e ficará em minhas lembranças, porque durante anos levou a mim e à nossa colega Margarida até a porta de nossas casas.

Em contrapartida, desde o começo do meu período como motorista aos 32 anos – tentei aos 19, mas aconteceu um acidente e adiei -, sempre dei carona a todos que precisaram. Por volta das 13h, quando eu ia trabalhar, levava minha vizinha Luana e sua avó Dona Valina até o Colégio Imaculada Conceição, onde a menina estudava. Passando no ponto de ônibus do Bairro Morada do Parque, onde eu morava, enchia o carro e, inclusive não discriminava uma moradora grande obesa que ia ao meu lado no banco da frente.

Uma vez, na parte da manhã, quando eu levava meu filho Fernando para o Colégio Promove, na Avenida Santos Guimarães no Bairro Sagrada Família, deparei-me com uma gestante que, aparentando dor, debruçou-se sobre sua barriga, no momento em que eu passava. Parei o carro, a chamei para dentro e a levei à Santa Casa. Era uma quarta-feira, dia em que minha mãe Milena Narciso dava plantão como obstetra – eu contei isso à moça. Depois minha mãe me contou que havia feito aquele parto.

Não faço esforço algum para levar as pessoas em suas casas. Na volta das reuniões das academias de letras, fico atenta a quem se movimenta para ir embora e me ofereço para levá-las. Para mim é uma oferta natural e oportunidade de conhecer melhor quem faz parte das mesmas entidades que eu.

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