“Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá, as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”, Gonçalves Dias, o poeta da Inconfidência Mineira, melhor seria referido como conjurado, e não inconfidente. Foi traído por Joaquim Silvério dos Reis, junto a Tiradentes em um episódio separatista, algo fantasioso, segundo o escritor Eduardo Bueno.
“Esse coqueiro que dá coco” – Aquarela do Brasil, de Ari Barroso – era o que eu pensava. Palmeira não frutifica, mas a IA denomina de palmeira butiá o nome da árvore que produz o coquinho azedo do Cerrado.
Nasci e moro no Cerrado, aprecio os frutos amarelos que nos são fornecidos a duras penas, por árvores baixas, tortuosas, de caule coberto por casca grossa; muitas delas são queimadas até carvão para, ao lhe ser adicionado ferro bruto, transformar-se em ferro-gusa para alimentar a metalurgia.
O verão é tempo de saborear os escassos frutos amarelos do Cerrado: murici, o pequenino de gosto incomparável; pequi, o ouro do Cerrado; manga ubá, carnuda, forte, cuja lembrança desnuda pelo dente traz salivação; panã, o sabor indigesto e coquinho azedo, o suco-rei.
A lei da oferta e da procura comanda o fluxo do mercado da saudade: quanto mais raro, mais desejado. Também é certo com gente. O sumido vale mais! Foi assim com o filho pródigo, o gastador, que sumiu, voltou sem nada e foi acolhido e festejado pelo pai. O coquinho azedo é desse modo, não tão raro no mercado de Montes Claros, mas difícil de se encontrar mãos hábeis para preparar seu suco.
O frutinho amarelo intenso, em forma assemelhada ao pião, tem uma ponta feito espinho curto e arredondado, que machuca a polpa digital, quando se tenta cortá-lo; sua casca com textura semelhante ao plástico, esconde a polpa fibrosa, oleosa, escorregadia, que ao ser retirada, expõe uma semente dura, contendo uma castanha branca, macia, saborosa, que geralmente é desprezada. Seu charme vem do suco extraído de sua polpa, de cheiro forte e sabor apreciado.
Por suas características físicas, o desafio é separar a polpa da semente, sem grande desperdício, sendo preciso usar faca amolada, ter habilidade e força nos dedos, não se cortar e salvar a polpa para posterior liquefação, batendo com pequeno acréscimo de água, coar o líquido viscoso, separando-o das fibras, acrescentar mais água e um pouco de açúcar.
Apesar do nome coquinho azedo ou butiá, nome que nunca ouvi por aqui, um pequeno acréscimo de açúcar no suco, quebra a leve acidez. Polpas congeladas em embalagens plásticas têm alta procura, mas pouco valor agregado. Pode-se usar liquidificador de paletas fortes, colocando-o no pulsar, e ver serem separados semente e polpa. O caroço sai limpinho, sem desperdício, mas há risco de estragar a máquina.
O esforço é grande e rende pouco; atente-se para não colocar água além do necessário. Pode-se fazer geleias e sorvetes com essa massa. Quem conhece as frutas amarelas do Cerrado, com cheiro e sabor semelhantes, pode até não gostar delas na primeira tentativa, mas jamais as esquecerão. O odor marca feito ferro quente.
