Mara Narciso

Rescaldo da pandemia

Publicado em 20/01/2025 às 19:00.

Ao ler poesia, sinto-me inundada por uma vontade de falar de sentimentos bons, e até dos maus. Gostaria de falar do amor que experimento, mas o terror que senti na pandemia de covid-19 me domina o pensamento. Soubemos da verdade há quase cinco anos – o 1º caso de covid-19 no Brasil foi definido em 26 de fevereiro de 2020 –, assim falarei do período de predomínio dessa doença terrível, que nos envolveu, nos massacrou e nos alterou, obrigando-nos ao afastamento, ao isolamento. Sufocando-nos, o pavor do vírus nos impedia de conviver, apertar as mãos, enlaçar pessoas, desencadeando um processo de envelhecimento acelerado, matando-nos por dentro. Permanecemos aqui, e o que nos aconteceu foram mudanças operadas em nossas mentes, com consequente alteração de comportamento. Marcas sinistras físicas e mentais ficaram. A psicologia e a psiquiatria trabalharam feito loucas para acalmar nossas cabeças doentes. Mesmo quem não morreu teve sua vida interrompida. Todos perderam alguma coisa.

Temos um amanhecer com céu azul límpido, depois de vários dias de chuva. O sol acaba com o mofo de tudo, até mesmo com o bolor de nossa alma. Os passarinhos estão cantando e me vem à mente aqueles anos terríveis de 2020 e 2021, para voltarmos a conviver em um novo normal em 2022. Respiramos aliviados, porém com marcas profundas, convivendo com famílias dilaceradas por morte ou falência financeira, já conformadas, é certo, mas sem saber o que fazer para remendar os rasgões e colar os cacos.

A peste macabra começou com o coronavírus saltando de animais silvestres para tomar de assalto o corpo humano, semelhante à chegada do HIV, transformando-se em pandemia. A humanidade invadida, viu a morte levar mais de 700.000 brasileiros. Houve dias de morrerem mais de 3500 pessoas só em nosso país. Além do vírus incontrolável, tivemos de lidar com o negacionismo coletivo, que não aceitava a existência da doença e era avesso aos meios de controlar sua disseminação. Um dia foi descoberta a vacina, e, pouco a pouco a peste foi diminuindo, até ficar sob controle.

Pensamos que o mundo e a humanidade, depois dessa provação aterradora, ficariam melhores, mas restaram ainda mais impaciência, intolerância, agressividade, guerras, crueldade. Deveríamos ter aprendido com o sofrimento coletivo extremo, mas não aprendemos nada; com a piora, no varejo continuamos a digladiar nos enfrentamentos, nas disputas, nos excessos de vaidade. Nas redes sociais, o ódio nascido, crescido e criado, já não cabe dentro das pessoas. Explodem em haters que promovem perseguições, massacres e ataques digitais em massa. Nada os faz parar, nessa terra sem lei e sem regulamentação.

Sobrevivemos e, como espécie somos piores. Deveríamos olhar para dentro de nós mesmos e depois de melhorarmos, alterar o nosso arredor, privilegiando bons relacionamentos, para que, além de suportarmos o diferente, possamos cultivar o humanismo com acolhimento e tolerância. Isso é um mero e previsível discurso, cabalmente inútil, mas que deveria nos tocar para sermos mais gente.

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