Mara Narciso

Reminiscências

Publicado em 08/08/2022 às 22:01.

Foi numa época em que a família fazia piqueniques aos domingos nas imediações do Pentáurea, mais especificamente à margem do Rio São Lamberto. Zezinho Mendonça – Tio Zé - tinha uma Kombi branca, daquelas de motor atrás. Morávamos no mesmo prédio e as duas famílias se uniam nesse singelo lazer farofeiro.

Certa vez, Tio Zé nos levou para ver descarnar um boi numa fazenda próxima. A Kombi levava, além do condutor que tinha a perna esquerda fixada em parafusos e não possuía carteira de motorista, Alcides, Milena, Helder, Mara, Nininha, Virgínia, Vânia, Júnior e mais alguém.

Chegando ao local, vimos o descarne já adiantado. Ainda meninos, não tínhamos uma década de vida. Partes do boi estavam dependuradas em ganchos ou pelo chão. O abdomen logo seria aberto, expondo as vísceras. Era tempo seco, e a terra vermelha se levantava ao vento.

Certa hora, Tio Zé resolveu ir adiante comprar algo, e fomos todos. Helder, meu irmão, aí pelos nove anos, não nos viu sair. Como ficou por mais tempo, presenciou detalhes sobre a parte interna do animal, inclusive onde ficava a víscera com a qual se faz a dobradinha.

Estava tão impressionado com o que via, que não percebeu estar só. Quando caiu em si, procurou a família e não viu nem rastro. Apavorado, pegou a BR e tomou o rumo de Montes Claros. Teria de caminhar no acostamento, ao longo da estrada de terra vermelha encascalhada, mais de 20 km.

Quando os ocupantes da Kombi, que não tinham se esquecido de Helder, voltaram para buscá-lo, encontraram-no longe de onde fora deixado. Já havia caminhado bastante, e chorava. O carro foi parado para ele subir e se juntar a nós. Foi quando soube ter sido avisado, apesar de não ter ouvido.

Sabíamos que os bois são mamíferos ruminantes, cujo capim voltava-lhes a boca para nova mastigação. Nessa experiência educativa, horrorizado Helder nos contou onde é o bucho, e o que ele contém – algo macerado e babento, intermediário entre capim no pasto e as fezes. Meu irmão não quis mais comer dobradinha, iguaria cujo preparo recebe várias fervuras para tirar o odor e que, antes dessa experiência anatômica meu irmão apreciava.

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