“Tudo começou, se um começo existe, com as idas e vindas dos meus pais, formando em mim uma colcha de retalhos de rostos e lugares...”. Iniciava assim um romance que li na adolescência sobre Diana Barrymore (1921–1960), morta aos 38 anos por overdose de álcool e remédios. Era filha de John Barrymore, ator numa família de atores. Essa comparação de vida de cigano com uma colcha de retalhos fez-me reter a frase lida há décadas.
“Aquela colcha de retalhos que tu fizeste/ Juntando pedaço em pedaço foi costurada/ Serviu para o nosso abrigo em nossa pobreza/ Aquela colcha de retalhos está bem guardada/ Agora na vida rica que estás vivendo/ Terás como agasalho colcha de cetim/ Mas quando chegar o frio no teu corpo enfermo/ Tu hás de lembrar da colcha e também de mim” (Raul Torres, 1961).
Milena, minha mãe, cantava essa música e, quando eu era menina, costurou vestidos para mim e com as sobras prometeu-me fazer uma colcha de retalhos que chegou ao tamanho de um pano de prato. Não a fez, por ter costurado poucos vestidos.
Maria Rocha Silveira, então minha sogra, tinha uma colcha de retalhos feita por ela, em cetim acolchoado e disse que me faria uma, com o avesso tão bem feito quanto o lado direito. Não chegou a fazê-la.
“Sou feita de retalhos. Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela minha e que vou costurando na alma. Nem sempre bonitos, nem sempre felizes, mas me acrescentam e me fazem ser quem eu sou. Em cada encontro, em cada contato, vou ficando maior... Em cada retalho, uma vida, uma lição, um carinho, uma saudade... Que me tornam mais pessoa, mais humana, mais completa. E que assim, de retalho em retalho, possamos nos tornar, um dia, um imenso bordado de “nós” (Cris Pizzimenti e não Cora Coralina).
Tudo que tenha pedaços, feito quebra-cabeças para montar e desmontar, pode ser comparado a uma colcha de retalhos. Como somos seres incompletos, nossa vida é um amontoado de rostos e um dos lados dos fatos. Por mais que irriguemos a memória com estímulos, as falhas nas lembranças remotas ocorrerão, por isso é bom rever uma peça antiga, pessoa do passado e com ela conferir essas passagens. Assim, rever um amigo antigo ou ex-namorado sumido traz detalhes por serem como livros e, sendo relidos, poderão acrescentar dados. Pelo mesmo motivo, velhos amigos são preciosidades.