O Evangelho relata que Cristo, decidido a jejuar durante quarenta dias, é testado pelo Demônio, que cria três provocações, sendo uma delas pedir para Ele transformar uma pedra em alimento. Cristo implora a Deus para ser afastado das tentações: “Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice”!
A pior categoria para se lidar é a pessoa falsa, que age nas sombras, dizendo uma coisa pelas costas de um conhecido, detratando-o, mas na frente, de forma afetada, fala, cinicamente, rasgados elogios. Diz-se que uma pessoa, ao falar mal de outra, revela mais de si do que da pessoa injuriada, mas, quando você foi picado por escorpião, tentará alertar possíveis vítimas sobre quem é quem. Porém, mesmo quando a pessoa goza de credibilidade pública, haverá quem não lhe dê crédito, ao pedir a determinado indivíduo que se afaste de um alguém dissimulado.
A pessoa mentirosa não muda o tom de voz, em geral meloso e afetado, para desdizer aquilo que disse antes. Sua deslealdade é uma armadilha. Tenta se dar bem com todos, mas ao mesmo tempo faz críticas ácidas, contrárias ao que diz na frente, coisa de quem sofre de falta de caráter, assim, é indispensável recorrer ao afastamento, para se livrar do risco.
O mesmo se pode dizer da pessoa tóxica, abusiva, aquela que, quando chega faz o tempo se fechar, como se baixasse uma nuvem escura sobre o lugar. A presença, devido à sua fala costumeiramente negativa, naquele estilo de quem não acha nada de bom no outro, faz pesar o ambiente. Ainda que fale de maneira desagradável, acaba ganhando amizade e até respeito de quem critica reiteradas vezes. Tudo que um fala, o outro, despoticamente censura, como um vício incontrolável. O convívio abusivo, com relativa omissão do dominado, tem por fim, estabelecer uma relação de poder, situação comum, que pode ocorrer entre irmãos, amigos, pais e filhos, mas a mais visível é a do casamento.
Quanto mais tempo dura esse tipo de ligação, mais difícil será sair de dentro dela. Funciona como uma coleira apertando o pescoço, e o duelo dura décadas. Há o que manda e dá gritos, enquanto ao outro, mesmo que proteste às vezes, resta-lhe conformar-se com certo grau de submissão. Não há, em geral, uma compreensão clara do que se passa, mas a qualquer hora irá ruir. Ou ocorrerá uma morte. O ser humano, mesmo o desumano, é estranho. Quando descobre que vive uma relação em que é o oprimido, seu desejo é se livrar e se tornar o opressor (Paulo Freire), assim que puder.
A mentira e a toxidade são difíceis de suportar, no entanto, o mentiroso e o opressor não admitem sua condição, e acreditam ser boas pessoas. O mitômano mente com gabarito, um verdadeiro ator, e quem oprime, acha normal obstruir o outro, em geral uma mulher, de viver a sua vida.
Durante a Ditadura Militar, Chico Buarque se valeu da passagem bíblica acima para criar seu magnífico “Cálice” em referência ao “cale-se” da censura imposta pelo Governo. Calem-se os falsos e os abusivos! Que os males sejam afastados de quem já não os suporta!