Mara Narciso

Olho clínico

Publicado em 01/12/2025 às 19:00.

À medida que o curso de medicina avança, surgem mais compreensão sobre como seja o corpo humano e seu funcionamento, assim como se aprende doenças mais prevalentes e, ao conhecer seus sinais e sintomas, começa-se a ter raciocínio clínico. O conhecimento técnico somado às aulas práticas cria a suspeita diagnóstica para solicitação adequada de exames, diagnóstico e tratamento corretos.
 
Em época de superespecialização, o que torna melhores os diagnósticos e tratamentos, mais importantes se tornam o pediatra, o médico de família e comunidade e o geriatra. São profissionais com boa visão da medicina, e tomam o caminho mais curto para a definição, e se necessário indicam o especialista.
 
A cada ano, deve-se fazer uma avaliação geral de exames. Nas doenças crônicas as alterações costumam acontecer lentamente, e nas doenças agudas os sintomas e sinais são marcantes e por isso são diagnosticadas de forma mais rápida.
 
Entrei em uma loja para comprar um roupão para meu filho ainda criança sair da piscina no inverno. Quando a balconista, ao expor o produto, tocou em meu braço, e a mão dela era gelada, olhei seu rosto pálido e inchado e disse, ao observá-lo: você tem hipotireoidismo acentuado e precisa procurar logo um endocrinologista, pois se trata de uma situação que envolve algum risco.
 
Após o parto, uma mulher não mais menstruou e ficou assim por quinze anos. Estava em quadro depressivo. Quando subiu na balança, eu disse: você está grávida. E ela: mas como? Eu não posso ter filho, não menstruo há anos! Deitada, à palpação do abdômen constatei que a gravidez deveria ter uns seis meses. Ela não havia percebido nada. O segundo parto e a filha a salvaram da depressão.
 
Em 1980, uma adolescente tinha dores ósseas e musculares fortes e generalizadas há seis meses e estava internada há mais de um mês, sem diagnóstico. Éramos três professores e doze médicos residentes. Todos a olhavam, a examinavam, ouviam o relato e os resultados de exames e elucubravam. Olhei para a mão dela com atrofia da área tenar e hipotenar e a mostrei ao meu professor, dizendo: hanseníase. E era!
 
Um homem foi operado da glândula suprarrenal. Depois da cirurgia, prostrou-se; estava em um estado pré-comatoso, com pressão baixa, sem apetite, com vômitos, só no soro e ninguém sabia o que ele tinha. Fui ver o doente. Ao examiná-lo, dei o diagnóstico de insuficiência suprarrenal aguda e mandei dar uma injeção de hidrocortisona na veia e mais outros cuidados. No dia seguinte, fui vê-lo e a cama estava vazia. Perguntei ao paciente da cama vizinha: "ele foi ao banho e tomar café". Anos depois, esse mesmo paciente do lado me procurou e no final da consulta falou: "Doutora, ali naquele leito vi um desfile de médicos de todas as especialidades e o homem estava a cada dia pior. O que a senhora deu a ele, que em poucas horas ele ficou bom"?
 
O olho clínico é uma espécie de pulo do gato, que nunca sai da gente. Com meu arsenal diagnóstico desativado há mais de cinco anos, costumo ver coisas que o olho não médico não vê, mesmo eu não estando procurando.

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