Mara Narciso

O que você fez?

Publicado em 07/07/2025 às 19:00.

A Endocrinologia trabalha com doses infinitesimais de hormônios, e eles, no sangue, sabem exatamente o que fazer. Trabalha-se com falta e com excesso, e quando essa alteração é pequena e recente, pode não mostrar sua cara, mas quando a alteração é maior e mais longa, a doença é gritante. No final do século XX eu trabalhava com emergências endocrinológicas na Santa Casa de Montes Claros. Naquele tempo, meu turno podia ultrapassar 16 horas. Havia o paciente internado diretamente na especialidade e havia as interconsultas, chamadas para atendimento imediato.

Na papeleta estava escrito que um homem jovem havia sido operado, há vários dias, de um tumor benigno em uma das glândulas suprarrenais – as produtoras dos hormônios glicocorticoides, sexocorticoides e mineralocorticoides, e que ficam logo acima do rim, bilateralmente; desde a cirurgia estava com vômitos, desidratação, prostração, em estado semicomatoso, pressão baixa, inapto para comer, tomando soros, em estado grave estável, porém urgente. Após ler a anamnese, com vários resultados de exames não hormonais, fui examiná-lo. Estava deitado de lado, apático, confuso, desidratado, mesmo recebendo infusão de líquidos e mostrava demais sinais já declarados. Estava em uma enfermaria masculina de cinco doentes.

Meu diagnóstico foi de Insuficiência Suprarrenal Aguda, e para revertê-la, montei um esquema de soros salinos rápidos com hidrocortisona, um hormônio vital, produzido pela suprarrenal ou adrenal. Não consegui do homem nenhuma frase coerente. Feito o trabalho, pedi à enfermagem que providenciasse a medicação em dose de ataque, maior e diretamente na veia, e a restante gota a gota no soro, e que o vigiassem e fizessem contato se houvesse alteração.

Após cerca de 18 horas, no dia seguinte voltei ao hospital, olhei alguns doentes na sequência dos andares e setores, e voltei ao leito em questão. A cama estava vazia, sem lençóis. Pensando em óbito, perguntei à funcionária ali presente, o que havia acontecido com aquele paciente. O cliente ao lado me detalhou: depois que a senhora passou aqui, deram-lhe uma injeção na veia e hoje, ele acordou bem, bebeu café com pão e foi tomar banho sem ajuda.

Alívio! Era hora de fazer um planejamento para pouco a pouco reduzir e depois substituir o corticoide injetável pela medicação oral, além de explicar-lhe sobre os controles posteriores e possibilidade de poder suspender a medicação quando a suprarrenal não operada se recuperasse e voltasse a produzir hormônio; essa ação fora inibida pelo tumor contralateral, e que ao ser retirado causou a crise adrenal. Ainda voltei ali outras vezes até a alta.

Anos depois, atendi no consultório uma consulta que, vim a saber no transcorrer dela, que se tratava do colega ao lado do cliente hospitalizado. Ele me falou: Ali naquela cama vi um desfile interminável de médicos de todos os tipos, entre cirurgiões, clínicos, cardiologistas, neurologistas, mas o homem piorava a cada dia. Foi você colocar a mão e aconteceu uma mágica. Afinal o que ele tinha e o que você fez?

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