Numa tarde de verão, o paneleiro sujo me esperava em cima da pia, desejoso de um bom banho com detergente. Havia terminado de almoçar há pouco e, dando um respiro no tarefismo caseiro de aposentada, espiava o mundo pela tela do computador.
O Facebook é aquele buraco negro no qual se vai e não se consegue voltar. Há coisa interessante para ler e eu mergulho fundo. Meus olhos secam de tanto ler, porque tudo me interessa.
Estava sozinha em casa com as cachorras Frida e Pagu. Mal comecei a leitura sobre história antiga, ouvi bates vindos da cozinha. Por não entender o que se passava, fui descobrir. Pela segunda vez, encontrei Pagu olhando para cima e dando pulos, procurando pegar um assustado beija-flor que, pelo porte, seria adulto.
Tinha plumagem de cor verde e azul – como é frequente nessas aves – e batia freneticamente suas asas, à maneira da sua espécie. Ao entrar na casa e não encontrar saída, coisa comum entre eles, estava em grande perigo e, assustado, voava batendo a cabeça no teto, ferindo-se.
Num primeiro momento, abri as janelas para ajudá-lo, mas não adiantou. Então fui espantar Pagu, tirá-la da cozinha – coisa impossível de ser feita, dada a excitabilidade da situação. Selvagem, abanando o rabo rapidamente para as laterais, não conseguia despregar do bichinho seus olhos ávidos por abocanhá-lo. Frida também veio participar da caçada.
Voando de um lado ao outro, não sei há quanto tempo, o animalzinho estava prestes a perder as forças e cair, enfim, atraído pela ação da gravidade. Tentei conduzi-lo com uma pá de plástico colada ao teto, mas não obtive êxito. Chamava Pagu para fora e nada. Ela estava hipnotizada pela presença da iminente vítima, claramente exausta e sem bússola.
Tentando de todas as maneiras expulsar o colibri da cozinha, sem conseguir, ao mesmo tempo esforçava-me para convencer Pagu de ir para fora, o que, finalmente deu certo. Ela saiu para a sala de jantar e eu bati a porta.
Enquanto eu voltava e olhava para o teto, o animalzinho caiu igual a um helicóptero abatido pelo crime organizado. Fez um “ploft” seco no chão, atrás da porta. Corri a acudi-lo, pegando delicadamente e protegendo-o com a palma da mão. Seu coração de passarinho batia célere como todos os corações dessas aves, porém, para o limite da sobrevivência, tanto que caiu. Vendo seus olhos abertos, para acalmá-lo passei suavemente o dedo em sua cabeça, dentro da mão fechada e, encostando a outra porta da cozinha atrás de mim, fui ao quintal e o coloquei entre as folhas de uma planta decorativa, que o esconderia e protegeria.
Olhei seu comportamento por um tempo, pensando em lhe dar água ou lhe molhar a cabeça, mas não o fiz. Da outra experiência que tive, as penas molhadas atrapalharam o voo do beija-flor que demorou a ganhar a liberdade.
Quando voltei para vê-lo, o lugar mais limpo era onde estivera, portanto, não testemunhei quando o beija-flor venceu o trauma e fugiu para o infinito. É certo que Pagu não erraria o bote. Senti-me bem por ter-lhe salvado a vida.