Mara Narciso

Linguagem da chuva

04/01/2022 às 00:02.
Atualizado em 05/01/2022 às 11:43

No sertão não se ousa marcar hora boa para chuva. É bem-vinda no Polígono das Secas, lugar de longas estiagens. Nos dois últimos verões houve chuva em volume aquém ao de anos remotos, quando chovia durante todo dezembro em Montes Claros. Mas a queda d’água em abundância voltou.

As agressões à natureza dão suas respostas com alternância de faltas e excessos de precipitações. As devastadoras inundações no sul da Bahia, Minas e outros estados, com cidades debaixo d’água, aterrorizam.

Por aqui, mesmo com dois meses de chuva, o Reservatório de Juramento, que fornece 60% da água de Montes Claros, estava com 45% da capacidade. A monocultura de eucalipto em suas imediações é responsabilizada por sugar água e especula-se que a represa não tenha sido construída no melhor lugar.

A chuva excessiva causou alagamentos das partes baixas da cidade. Aconteceu casamento em igreja invadida pelas águas, com a noiva sendo levada por braços fortes, e os convidados abrigados sobre o altar. Afora a tempestade de gelo que levou telhados, os incômodos são pequenos, sendo bom ouvir a água mansa cair. 

Pontuar a linguagem da chuva faz rememorar tempos idos. Quando ela se prolonga, há bolor e roupas que não secam dentro de casa, ficando com odor de casa mofada.

Quando estão levemente úmidas, noutros tempos se dizia: estão “ensombradas”, dá para passar. Na “época das águas”, após alguns dias chovendo, os antigos diziam que “invernou”, e caso o tempo se abrisse falavam: “deu uma aragem”, vamos arejar a casa. Ou então: “apareceu um olho de sol”.

Quando estiava, a criançada de antigamente ficava alegre, indo molhar os pés na enxurrada, fazer represas com barro, colocar barquinhos de papel para nelas navegarem, enquanto usava chapéus de papel, além das brincadeiras dos meninos: finca e bolinha de gude. 

Na época em que a estrada de Montes Claros para Belo Horizonte não era pavimentada até Corinto, vencer tal caminho sob chuva cheirava a aventura.

Versos de Georgino Júnior cantados por Tino Gomes mostram a situação desmoronante da estrada: “derrubando ponte, derramando monte...”

Além de frutos como murici, pequi, mangaba, manga ubá, coquinho azedo e panã, o Cerrado remanescente é uma festa no verão. O verde explode, assim, a chuva é algo mágico para o sertanejo.

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