Mara Narciso

Estado poético de ser

Publicado em 24/04/2023 às 20:30.

“A vida/ Brevíssimo instante/ É a pedrinha de açúcar/ Lançada/ Ao mar” – Karla Celene. “Te amar é sempre uma outra alegria/ durmo homem/ acordo poesia” – Georgino Neto.

Os poetas são sonhadores, ingênuos, crédulos num mundo inexistente. Vivem numa bolha sobrenatural e idealizada. São uns iludidos que não conseguem ver a dura verdade e viajam para dentro de si. Têm imaginação fértil e não deixam a infância nem seu encantamento passarem.

Não, não e não! Pare com chavões, lugares-comuns e clichês, cujas repetições os fazem parecer verdades. Os poetas já nascem poetas, ninguém precisa informá-los; são serenos e em tudo veem beleza. Ser poeta é adocicar a existência com poesia. Em cada canto, ela está.

Há entre os poetas uma tendência à melancolia, e esta talvez lhes seja vital para deixar vir a inspiração. Um lampejo pode chegar por si, mas o natural é o poeta trabalhar a palavra como se lapida uma pedra bruta. A centelha mais brilhante faz sua visita juntamente com a paixão, o amor ou a desilusão amorosa, estímulos potentes para a criação.

Os escritores costumam produzir melhor na juventude, aquela época das paixões incontroláveis, quando a racionalidade foge e as belas palavras chegam aos borbotões. A insegurança e as boas ideias visitam o jovem em sua época mais bonita, no entanto, ele se vê feio e incapaz. Anos depois, olha uma foto e obra e pensa: eu estava bonito vestido de juventude e produzi boas coisas. Não creio haver similaridade temporal entre juventude e produções.

Outro fator de olhares iluminados e pele viçosa é o amor. Além da juventude, nada faz alguém mais bonito que amar e ser amado, o prazer supremo da existência humana. Nesta fase é fácil viver poeticamente e até quem não tem intenção de se fazer poeta, rabisca (ou burrisca) seus versinhos de felicidade ou sofrimento. São poemas em geral previsíveis e que não sairão da gaveta.

Os que de fato carregam a poesia dentro de si vão se aprimorando e se tornando maiores a cada dia, ainda assim costumam esconder seus primeiros escritos, com receio de que possam comprometê-los quando já são grandes e reconhecidos. Para quem não é vocacionado, a bela escrita é inalcançável, ao contrário, nos verdadeiros poetas, a poeticidade está presente em tudo que fazem. Quando partem, familiares revelam seus guardados imaturos, que foram joias de um tempo mágico, e acabam sendo jogados ao colo do consumidor curioso.

Pouca coisa é tão admirável e poética quanto a metamorfose da lagarta em borboleta e que tanto nos serve de estímulo nos momentos difíceis, pois o rastejante animal devora folhas e após um período sabático sai do casulo transformado, degustando néctar, tendo beleza, liberdade e o infinito por moradia.

Para quem esteve no alto e teve de descer devido às circunstâncias, mire-se nos insetos em dia de chuva, no momento em que estão encolhidos. Após um período ao sol, não mais haverá a borboleta de asas molhadas. Ao secar-se e alongar-se, abrirá as asas e alçará voo para um belo futuro, se possível, num estado poético de ser.

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