Quantos Chicos existiram nesses oitenta anos? Quantos estiveram disponíveis e ainda estão aí? Nascido em 19 de junho de 1945, Chico Buarque de Holanda, desde os 20 anos, traz questionamentos sociais como em “Pedro Pedreiro”. Invade lares e ali permanece a disposição de quem queira ouvi-lo, alegrando, alterando, encantando, fazendo pensar. Cada verso musicado é uma emoção, uma lição, um ensinamento; é fala para permanecer por toda a vida. É tão universal que os interessados foram, são e serão modificados pelo que Chico pensa, declara, canta, motivado pelo pensamento progressista, uma arte que filosofa, poetisa, ama, critica, debate, influencia, nutre tudo em sua volta; forma pessoas melhores, conscientes, direcionando-as ao humanismo. Fala como mulher, em nome da mulher, pela mulher, combate a passividade de algumas – “Mulheres de Athenas” –, faz sonhar, ampara, nos entende, nos atende, através de seu lado feminino. Chico, para onde você for eu vou, aprovo, acompanho, aplaudo e terei me manifestado pouco. Tudo que vem de você eu usufruo, ouvindo, lendo, refletindo, cantando, até o último dos meus dias. A mais antiga memória vem da televisão, do III Festival da Canção da Record de 1967, quando, aos 12 anos eu vi você, à época, mostrando timidez, e tendo bastante tempo para falar, quando existir não era acelerado, e você podia fumar e ser entrevistado, falando com calma, tudo o que tinha a dizer. Cantou “Roda Vida” com o MPB4, e ficou em terceiro lugar. Ali, sua luz se acendeu em mim. Também me re.”cordo de minha mãe Milena, copiando do rádio, de forma ágil, para não perder nada, a letra de “Quem te viu, quem te vê”, e depois ficamos cantando juntas. Em 1971 ouvi “Construção”, a música de minha vida. E eu me deixei levar pela sua ideologia, pelo seu protesto, pelo seu engajamento, pela sua militância. Segui junto e a cada composição eu reformulava meus ideais libertários, conjugados ao amor ao próximo, ao respeito e a defesa de todos, em especial dos que não têm nada. Deixei-me embalar por “Tanto Mar” após a Revolução dos Cravos em Portugal. Quando você compôs com Gilberto Gil a música “Cálice”, quis dizer “cale-se” contra a censura do Governo Autoritário de então. Cheguei a ouvi-la em casa, trazida pelo meu irmão Helder, assim como ouvi meu pai Alcides, apoiador da “Revolução”, do “Brasil, ame-o ou deixe-o” e de suas preleções reacionárias durante nossos almoços, ordenar que desligasse a radiola. “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”! “Acorda, amor”, para vencer a tesoura dos censores, teve de ser assinada como “Julinho da Adelaide”. Você disse não escrever uma letra sem a presença de uma boa música, e que já comprou melodias. Experimentei um estremecimento com essa revelação. Apesar desse mas, a política e o amor nunca foram os mesmos depois de você. Estão no melhor lugar de minha memória “Olhos nos Olhos”, “Atrás da porta”, “Com açúcar e com afeto”, “Valsinha”. Escrevo agora ao sabor do pensamento, sem paragrafar, pensando e digitando. Amar sua obra, e por extensão amá-lo, é garantia de felicidade!