Mara Narciso

Conversa com os clientes

Publicado em 28/11/2022 às 22:08.

Após a anamnese – aquelas perguntas médicas que servem para entender a história da doença, exame físico, solicitação de exames e retorno – espera-se que um diagnóstico seja feito, estabelecendo-se um tratamento.

Nas doenças crônicas, as consultas periódicas são necessárias, e para bem avaliar o que está ajudando ou atrapalhando os resultados, um diálogo sobre outras questões de saúde e da vida do cliente devem ser verificadas e nessas incursões surgem grandes aprendizados. Assim, vencida a parte técnica, quando as pessoas estão quase sem queixas e desconfortos, a parte agradável do trabalho médico acontece, e trata-se da interação com os pacientes. Para entender melhor quem está a minha frente, uma conversa insubstituível tem lugar.

Falar muito não implica em boa conversa, mas o convívio profissional com os clientes tem seu lado de riqueza. Há pessoas que seduzem com sua inteligência, vivacidade, vivências, sendo possível o surgimento de amizade, sentimento que ultrapassa a empatia, esta sim, um fator indispensável ao exercício da medicina. Acolher bem as dificuldades emocionais do cliente, mesmo para quem não é da área da saúde mental, traz vantagens aos dois lados da mesa.

Atendi na área da endocrinologia mais de vinte pacientes por dia, durante 40 anos, exceto fins de semana. O contato sadio com essa imensidão de pessoas oferecia-me um tesouro do qual sinto falta. As conversas traziam-me um enriquecimento diário, sendo em conjunto uma festa para a existência. Esse tipo de experiência de vida com pessoas tão diferentes oferece informações importantes em várias áreas, sendo uma fonte inesgotável de saberes.

A boa conversa faz cada um dos interessados crescer, por outro lado, a agenda aprisiona, funcionando de forma castradora. Por melhor que esteja a interação, ela precisa terminar. Vira-se a página e começa tudo de novo. É imperioso não esquecer que há o próximo cliente e que o tempo dele é precioso, aliás, é o bem mais caro que temos, e alguns profissionais não se incomodam em deixar a pessoa esperando por horas. A falta de organização do consultório já deveria ter sido banida desse ambiente, mas persiste.

Algumas vezes a conversa emperra, por exemplo, quando o paciente não sabe responder às perguntas feitas, ou quando há divergência de opiniões, ou quando há limitação intelectual, uma característica da pessoa que não se liga, necessariamente, à classe social, econômica, educacional ou etária. Felizmente não é tão comum. Como a família já sabe, envia um acompanhante. Nesses casos, o especialista se doa muito, e pouco recebe, no entanto, essa troca desproporcional enobrece o médico.

A visão tantas vezes severamente analítica de quem lida com a saúde se soma à perspicácia profissional e ao olho clínico desenvolvido a duras penas, que juntos ensinam, amadurecem, e em geral, trazem sabedoria.

Todos conseguem nos ensinar algo que pode ser único. Sejamos interessados e valorizemos essa troca, deixando algo e levando muito: “vocês me ensinaram milhões de coisas”!

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