Mara Narciso

Café requentado

Publicado em 01/07/2024 às 19:00.

Depois que todo mundo falou sobre os 80 anos de Chico Buarque, chego eu atrasada para lhe tecer louvores. Dia 19 de junho postei no Facebook “Construção”, a música de minha vida, da qual já fiz breve análise, além de uma referência relativa à data. Para mim, Chico Buarque sempre será café recém-passado, quente, fervente, pelando fogo. “Diz que está me esperando pr’o jantar/ E me beija com a boca de café”. É pessoa que ensinou o Brasil a falar, a respeitar, a entender, sendo um agente civilizatório. Sem ser professor ministrou, através das suas músicas, aulas de Português, Política, História, Sociologia, Filosofia e Psicologia. Por ser culto, sua arte de bom compositor o faz divulgador de vários temas. Toca a alma e o cérebro, faz pensar, ensina a questionar e por isso querem os entrevistadores que opine sobre questões polêmicas. Ele pode achar o que quiser, e terá a reverência de muitos, porque Chico é Chico e me orgulho de lhe estender o tapete vermelho. Muitos devem a ele as músicas de sua vida, das suas viagens, dos seus melhores momentos. E por mais que lhe declarem elogios, lhe façam estudos linguísticos, musicais ou literários, ainda será pouco. A sua obra é tão vasta que invejosos acham impossível uma só pessoa fazer tanto de forma tão genial. Como não fosse suficiente, ainda escreveu dez livros e recebeu o Prêmio Camões, o maior em língua portuguesa em 2019. Utilizando-se do experimentalismo, em “Estorvo”, jogou um enigma no ar, instransponível para parte das pessoas. “Benjamim” também é livro difícil. “Budapeste”, “Leite Derramado” e “Meu irmão Alemão” foram romances adequados aos leitores medianos. Fez três peças de teatro e dois livros políticos. É avesso a entrevistas, fazendo o estilo reservado. Devido ao seu posicionamento político, era perseguido pela Rede Globo, que não tocava suas músicas, como se isso o impedisse de derramá-las por todo território nacional. Ícone que é, existem vários livros biográficos e documentários sobre ele. Nascido no Rio de Janeiro, criou-se em São Paulo. Filho de Sérgio Buarque de Holanda, um historiador intelectual esquerdista que recebia em sua casa cérebros de alto nível, Chico se dizia, até certa época, ignorado pelo pai, mesmo quando era cantor reconhecido. Tal fato aconteceu em 1966, quando venceu o II Festival de Música Popular Brasileira com “A Banda”. Adulto, voltou ao Rio, mas se sentiu ter de fato voltado, quando foi tema do enredo da Estação Primeira de Mangueira. Foi contra a Ditadura Militar e para não ser preso exilou-se na Itália. Continua na mesma toada e, octogenário, dizem que ainda joga no seu famoso campo e time de futebol. Deve ser horrível para os extremistas de direita, por questões ideológicas contrárias ao pensamento do seu ídolo, ter de, no adiantado da existência, renegar a trilha sonora da sua vida em nome do negacionismo, anticiência, antivacina, cloroquina, ivermectina e terra plana. Aprendi e continuo aprendendo com o grande Chico Buarque, alguém cujo apelido o identifica em boa parte do mundo. Lula e Chico continuam juntos também nisso.

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